Um diálogo sobre a Biodiversidade Subjetiva
Palestra na Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética
Regina Favre apresenta sua trajetória e o conceito de biodiversidade subjetiva, eixo de sua prática clínica e de seu trabalho atual no Laboratório do Processo Formativo, em São Paulo. A partir de 2001, em sucessivos seminários teórico-vivenciais, o pensamento e o método da Anatomia Emocional, do americano Stanley Keleman, foi sendo amplificado.
“Depois de 15 anos de estudos, confrontei a posição apolítica de Keleman e comecei a formular o conceito de biodiversidade subjetiva, que considera o nosso funcionamento em rede. Segundo a visão formativa kelemaniana formamos corpos e vidas, a partir do herdado e do vivido. Mas, penso que hoje vivemos em uma realidade global e necessitamos de uma visão que considere as diferentes ecologias físicas, afetivas, cognitivas e sociais, das quais somos parte e produtores. Mais que indivíduos, somos canais em torno dos quais se tecem sujeitos corporais continuamente. Nessa perspectiva, a biodiversidade não diz respeito apenas à natureza, mas às respostas, linguagens, formas de comportamento e aos ambientes que somos capazes de gerar. Isso não tem nada a ver com o individualismo. Temos a capacidade de produzir diferença no inato e nos modos sociais de constituir sujeito. Esse é o trabalho com a biodiversidade subjetiva, sempre apoiado nos princípios formativos da Anatomia Emocional.” define Regina Favre.
Para afastar-se compreensão kelemaniana moderna de individuo, Regina aproxima-se do filósofo italiano Toni Negri. Hoje somos multidão, multidão de corpos, com a imensa potência de trabalho vivo, cooperação, expressão e, portanto, construção material de mundo e história. Se no passado era o povo que estava na base da sociedade industrial e a luta era contra o poder disciplinar, atualmente, a luta é pela conexão e cooperação entre corpos na criação do que ainda não existe.
Não basta desejar cooperar. Cooperação é o efeito da maturação dos modos de conexão. Essa maturação pode ser propiciada pelos recursos do método formativo e da visão clinica e filosófica da biodiversidade subjetiva. Essa visão original que cruza tantas áreas do conhecimento – filosofia, história social, política, neurociências, educação somática, anatomia evolutiva – é capaz de provocar diálogos instigantes. Como este a seguir, durante uma palestra. Acompanhe:
Clínica e micropolíticas
Platéia – Na clínica, fazemos o atendimento individual e fiquei pensando que isso é pouco, que estamos muito longe de atingir essa rede… (comentário de uma psicoterapeuta).
Regina Favre – É na clínica mesmo que pode acontecer essa maturação dos corpos em direção à necessidade do contemporâneo. O trabalho é pequeno mesmo. Não se trata de promover a grandiosidade da revolução, mas sim, as micropolíticas: cada macaco no seu galho fazendo seu serviço bem feito. Nossa questão não é mais com a repressão, como era na sociedade industrial, capitalista e patriarcal. Hoje, estamos imersos em jogos de força, com tremenda concentração de poder. Dentro da sociedade de consumo, do capitalismo pós-moderno, vivemos a captura do desejo. Atualmente, o poder boicota a cooperação entre os corpos. Não é mais uma questão de autoridade. O grande trabalho hoje é das conexões dentro da multidão, de modo a permitir essa interconexão, para além de classe social ou hierarquia. É a conexão entre os corpos que pode produzir o futuro.
Capitalismo, apavoramento e ilusão
Platéia – O que impede a conexão dos corpos?
Regina – Vivemos completamente rodeados de modos e formas a serem adquiridas, consumidas, que nos oferecem contornos subjetivos prontos, com os quais tentamos nos estabilizar na velocidade dos nossos dias. O mundo é totalmente “midiatizado”. O tempo todo estamos expostos a informação e notícias que assustam tremendamente as pessoas. O que acontece nos corpos no estado de apavoramento? Somos tomados pelo reflexo do susto. Essa resposta em bloco imobiliza. Aquilo que é mostrado no noticiário fala de situações de exclusão – doença, crise, envelhecimento, violência, miséria. Ao mesmo tempo, essa mesma mídia pós-moderna anuncia produtos e mais produtos, que não são apenas coisas, são estilos de vida, contornos existências vendáveis que prometem inclusão. No mesmo instante que compra-se o produto, que supostamente aplacaria essa angústia, a desagregação de si prossegue e a corrida assim torna-se infinita, alimentando o capitalismo. Nesse jogo de forças, as pessoas são mobilizadas a sempre reconfigurar a ilusão. Os vínculos criados a partir dessa “modelização existencial” não funcionam e bloqueiam, reafirmando o desejo sempre de modo individualista. Essa conexão só pode ser restabelecida quando é possível uma maturação dos modos vinculares, que vem da real maturação do modo de funcionamento afetivo dos corpos. Isso permite a produção da diferença e, portanto, da biodiversidade subjetiva.
Platéia – Esta é uma visão otimista… poder se movimentar nesse mundo… Isso dá um alívio…
Regina – Sim, esse trabalho e o conceito de biodiversidade subjetiva é otimista e se contrapõe ao medo gerado pelas imagens a que somos expostos incessantemente.
Co-corpar
Platéia – Queria saber sobre o co-corpar a que você se referiu…
Regina – Hoje, não podemos mais pensar que no mundo contemporâneo a narrativa seja apenas familiar. A narrativa atual é histórico mundial. É necessário navegar por essas redes de relações, sem perder de vista que os corpos se conectam, do mesmo modo que as formas vivas mais simples são conectivas. O corpo é modo de funcionar, na evolução, no crescimento, nas ligações que se estabelecem o tempo todo entre corpos que pensam, sonham, agem, sentem, formam. Na clínica é fundamental cultivar a tolerância somática à diferença, criar um corpo com organização somática tal, com tal diferenciação, que possa tolerar e, mais que isso, conectar-se com as diferenças. Nessa prática, nós produzimos algo, você e eu, por que eu co-corpo com você.
Reportagem e edição: Liliane Oraggio
Foto: Lucia Freitas
Seminários Vivenciados de Anatomia Emocional
O que são os Seminários Vivenciados de Anatomia Emocional?
“Desde 2002, Anatomia Emocional tornou-se o centro da minha pesquisa e criação que está configurado hoje como uma leitura ativa deste livro que acontece com diferentes grupos por quatro semestres. Como professora, ajo como leitora, comentadora e intérprete (no sentido de cantora ou performer), diretora de cena, uma lenta escaladora das linhas da Anatomia Emocional, juntamente com grupos numa atmosfera contínua de ensaio.
Os grupos são compostos por pessoas que já têm sua própria experiência e autonomia em suas vidas e profissões: terapeutas corporais de diferentes tradições, médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, bailarinos, atores, fisioterapeutas, artistas plásticos, assistentes sociais, consultores, jornalistas, professores…
A transmissão formativa se constitui num evento em si mesmo. É a experiência corporificada de uma bem tramada produção em camadas de corpos e ligações, conhecimento formativo somático e conceitual, linhas narrativas, gravar e ver vídeos, exercícios de formulação do pensamento na linguagem formativa, posturações de si mesmo, a experiência do método Kelemaniano de corpar, desenhar somagramas, produção de mapas conceituais, conversas sobre história social, política, biologia, modos de subjetivação, auto-narrativa somática, descrições de diferentes pessoas funcionando em suas vidas e seus mundos.
O ambiente, especialmente desenhado para este fim, é uma pequena máquina feita da interconexão de elementos heterogêneos: o livro da Anatomia Emocional, imagens da aula anterior sempre rodando na TV sem som como camadas de memória, o controle remoto para stills, slows, backwards, fowards, quadro a quadro, a qualquer momento da aula, a gravação de imagens dentro de imagens, um operador de câmera profissional sempre lá como parte do grupo, um telão, um retroprojetor com sua luz que cria ambientes expressionistas, a projeção magnificada das transparências das imagens da anatomia emocional e da biologia evolutiva que nos dá a experiência da nossa pequenez dentro do pré e do pós-pessoal, um enorme quadro branco, cadeiras desmontáveis, o assoalho claro e paredes amarelas onde toda ação se torna minimalisticamente visível, uma grande janela que reflete dentro da sala ao mesmo tempo que emoldura o mundo lá fora de que somos parte.”
Este Seminário passou por dez versões e ainda tem dois grupos em andamento. A partir de agosto 2009, será substituído pelo Seminário Vivenciado de Biodiversidade Subjetiva.
Conheça mais sobre Regina Favre
Foto: Liliane Oraggio, AE10
III Forum Claudia Pela Mulher
Na edição de abril, a revista Claudia traz uma longa matéria sobre as discussões que aconteceram por lá e quatro pequenos vídeos.
fotos: Lucia Freitas
Educação Somática Existencial
Construindo um dispositivo de intervenção no campo da saúde pública
Biodiversidade Subjetiva: uma experiência vivencial e conceitual com o Processo Formativo nos nossos dias
Estes workshops se destinam exclusivamente a pessoas que manifestaram seu interesse em participar dos Seminários que apresentam a visão da biodiversidade subjetiva e sua metodologia desenvolvidas por Regina Favre a partir do pensamento formativo de Stanley Keleman.
O conceito da biodiversidade subjetiva é uma resposta às novas questões da pós-modernidade trazidas pela globalização e seus modos de produção da subjetividade nos corpos.
Antes de uma escolha mais radical por um seminário que dura 4 semestres, é sempre bom saber onde se está colocando os pés.
Escolha suas datas:
23 e 24 de maio das 10 às 18hs
13 e 14 de junho das 10 às 18h
Valor: 500 reais
Local: Laboratório do Processo Formativo
Rua Apinagés, 1100, cj 507.
Fone: 11-38645785
Email: reginafavre [@] yahoo.com.br
O que vai acontecer em 2009
Em 2009, o Laboratório do Processo Formativo entra em uma nova onda de produção. Estamos em fase de transformação e rearranjo das partes.
Teremos os Grupos de Exercícios – Partituras Somáticas, prática que familiariza cada um com os trânsitos energéticos através do organismo. As inspirações são muitas: exercícios bioenergéticos, exercícios biodinâmicos, alongamentos, ioga, Método Feldenkrais, método Gerda Alexander, práticas zen que, reprocessados através do Processo Formativo, tornam-se uma linguagem como a linguagem musical, por exemplo, ou a linguagem cromática, também por exemplo, que cosutra sequências de eventos energéticos em si mesmos dentro de uma temporalidade.
Este material será desenvolvidos em grupos e em breve anunciaremos a abertura de novos grupos.
Também ofereceremos Workshops e Seminários Vivenciados de Biodiversidade Subjetiva, que usarão toda a estrutura ambiental do Laboratório do Processo Formativo para seguir trabalhando o aumento da potência, as questões da multidão e sua integração com o pensamento formativo.
Para manifestar seu interesse em quaisquer destas atividades, por favor, use o formulário de contato.
O que está acontecendo aqui?
O Laboratório do Processo Formativo é o palco criado especialmente por Regina Favre para proporcionar diversos tipos de encontros, estudos e experimentações.
Grupos de Corporificando a Experiência 1 e 2
Após terminarem o estudo do livro Anatomia Emocional, nos moldes dos antigos Seminários, estes dois grupos se formaram, cada um a seu tempo e fazem reuniões semanais onde aprofundam o conhecimento sobre o processo formativo.
Tudo começa com a leitura do livro Corporificando a Experiência, de Stanley Keleman, mas segue atravessando os conhecimentos de Gerald Edelman (biólogo vencedor do Nobel de Medicina de 1972 por seu trabalho sobre o sistema imunolóogico); Gilles Delleuze, Félix Guattari e Antonio Negri, entre muitos outros.
Um corpo de baile liderado por Regina Favre, que pontua, cartografa e co-corpa com cada um dos participantes.
Nesta roda discutem-se casos clínicos, aprofunamento de conceitos, novas formas e experiências de uso do método formativo e, eventualmente, o trabalho sobre o processo formativo de seus participantes.
É uma oportunidade para conhecer melhor o método dos cinco passos e experimentar num ambiente seguro e dentro do tempo formativo suas aplicações; discutir e vivenciar conceitos fundamentais do processo formativo e criar camadas e camadas de conhecimento, compartilhado através de anotações, fotos, quadros.
Seminários Vivenciados de Anatomia Emocional – AE8, AE9 e AE10
O Seminário Vivenciado de Anatomia Emocional acontece desde 2002 e já foi o centro da minha pesquisa. É uma leitura ativa do livro. Como professora, ajo como leitora, comentadora e intérprete (no sentido de cantora ou performer), diretora de cena, uma lenta escaladora das linhas formativas, juntamente com o grupo, numa atmosfera contínua de ensaio.Os grupos são compostos por pessoas que já têm sua própria experiência e autonomia em suas vidas e profissões: terapeutas corporais de diferentes tradições, médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, bailarinos, atores, fisioterapeutas, artistas plásticos, assistentes sociais, consultores, jornalistas, professores…
A transmissão formativa se constitui num evento em si mesmo. É a experiência corporificada de uma bem tramada produção em camadas de corpos e ligações, conhecimento formativo somático e conceitual, linhas narrativas, gravar e ver vídeos, exercícios de formulação do pensamento na linguagem formativa, posturações de si mesmo, a experiência do método de corpar, desenhar somagramas, produção de mapas conceituais, conversas sobre história social, política, biologia, modos de subjetivação, auto-narrativa somática, descrições de diferentes pessoas funcionando em suas vidas e seus mundos.
O ambiente, especialmente desenhado para este fim, é uma pequena máquina feita da interconexão de elementos heterogêneos: o livro da Anatomia Emocional; imagens da aula anterior sempre rodando na TV sem som como camadas de memória; o controle remoto para stills, slows, backwards, fowards, quadro a quadro, a qualquer momento da aula; a gravação de imagens dentro de imagens; um operador de câmera profissional sempre lá como parte do grupo; um telão; um retroprojetor com sua luz que cria ambientes expressionistas, a projeção magnificada das transparências das imagens da anatomia emocional e da biologia evolutiva que nos dá a experiência da nossa pequenez dentro do pré e do pós-pessoal; um enorme quadro branco; cadeiras desmontáveis, o assoalho claro e paredes amarelas onde toda ação se torna minimalisticamente visível, uma grande janela que reflete dentro da sala ao mesmo tempo que emoldura o mundo lá fora de que somos parte.”
Os resultados destes muitos anos de trabalho neste formato serão adicionados ao site, de tempos em tempos, na área Arquivo AE.
Pesquisando Grupo de Movimento em pacientes psicóticos
Pesquisando a aplicabilidade do Método do Grupo de Movimento Somático Existencial a um pequeno grupo de pacientes psicóticosdo Hospital Dia da Faculdade Paulista de Medicina.
Regina Favre
Denise Passos (colaboração)
1.Contextualizando:
A Educação Somática Existencial é uma articulação da Psicologia Formativa de Stanley Keleman, com elementos da Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, com contribuições da Neurociência, de autores como Gerald Edelman, e elementos da visão de desenvolvimento e vínculo de autores como Daniel Stern e John Bowlby.
Essas ferramentas, cuidadosa e continuamente forjadas, vêm nos permitindo ser coerentes com uma visão da realidade enquanto produção e não como um dado, o que faz toda a diferença.
Com a ajuda de nossos autores, podemos visualizar um processo biológico e social ocorrendo o tempo todo dentro de nós e fora de nós, os seres humanos como um processo formativo vivo, a existência como um continuum de formas somáticas no devir, os modos de subjetivação como continuamente sendo produzidos no coletivo segundo jogos de força e a subjetividade como emergindo na interação dinâmica entre essas formas e sua pessoalização.
Essa visão formativa , juntamente com a compreensão das distorções das formas somáticas e vinculares instrumentalizada pelo método kelemaniano do corpar e o método esquizoanalítico do cartografar, nos permite trabalhar sobre o sofrimento e as fragilidades que afetam a potência formativa em nós, em nossos alunos, clientes, bem como nos grupos e nas instituições com que trabalhamos.
A visão formativa também nos permite conceber o campo teórico e metodológico como em formação, nos oferece um modo de assimilar autores e influencias, nos facilitando ações interdisciplinares.
O Grupo de Movimento é a prática através da qual aprendemos a nos identificar com as forças somáticas que nos constituem como sujeito: pode ser usado como uma prática em si mesma ou como complemento dos processos de psicoterapia.
Venho pesquisando e aprofundando essa prática, tradicional dentro das terapias corporais, desde o início de minha prática clínica.
Hoje, esse modo de operar e pensar, tal como o venho trabalhando, possui especificidade e coerência teórica- metodológica e pode ser chamado Grupo de Movimento Somático Existencial.
2.Grupo de Movimento Somático Existencial: algumas afirmações que norteiam a condução do trabalho.
Um corpo em particular é um contínuum que vai da evolução da vida na biosfera aos seus processos embriogenéticos próprios, à continua corporificação de sua experiência dos acontecimentos no mundo, mais a maturação pré-programada do corpo animal ao longo de uma vida.A evolução construiu o vivo como bombas pulsáteis para melhor conter, aumentar e preservar o concerto dos pulsos de células e tecidos – quanto mais camadas mais eficiente.
Os acontecimentos podem ser de longa ou curta duração. De acordo com sua intensidade e as condições do corpo, estes podem ser da ordem do assimilável ou do excessivo, gerando formas existenciais eficazes ou distorções da bomba pulsátil ,para nossa vida no ambiente.
O corpo, particularmente o humano, se constrói juntamente com a experiência, se valendo das camadas embriogenéticas e não dos órgãos em particular.
Os corpos têm também sua constituição herdada produzida pelos processos seletivos do soma humano: isso nos dá compleição e temperamento inatos.
A experiência se organiza em camadas somáticas – continuação ao longo da vida do processo da embriogênese.
Cada forma é um continuum: um trecho de comportamento solidificado.
Cada forma que em si mesma tem uma a amplitude que vai de mais forma para menos forma, também em um continuum.
Formas são solidificações de comportamentos – herdado e/ou organizado ao longo da vida.
Corpos são ambientes articulados entre si formando ecologias e tendo os modos de vinculação como cola.
Corpos, formas, comportamentos, self(s), modos de sentir, de se relacionar, modos de perceber a si e às coisas são a mesma coisa.
Forma é comunicação, sinalização.
Somos a cada momento muitos corpos, formas, comportamentos organizados em camadas articuladas ou conflitantes.
Os corpos, formas, comportamento são metaestáveis, isto é, possuem sempre uma certa estabilidade, um certo potencial e uma certa entropia.
Os acontecimentos produzem excitação biológica em nós, portanto os corpos, formas, comportamentos são solidificações de ondas excitatórias.
Acontecimentos são conjunturas de fluxos de todo tipo: físicos, biológico, históricos, econômicos, familiares, de classe, da mídia, dos poderes, do mercado, de grupos, da tecnologia, da moda, etc.etc.
Geramos corpo continuamente. E no mesmo ato de gerar corpo, geramos ambiente , não existe um sem o outro.
Os corpos e seus territórios existenciais são processos vivos.
É central, na concepção formativa de Keleman, não atribuir ao corpo o sentido de objeto da consciência.
Keleman afirma diretamente que o que chamamos corpo é um processo ,uma corrente contínua de eventos, sem saltos nem elos perdidos, que se estende como forma corporificada por pelo menos 3.8 bilhões de anos dos aproximadamente 5 bilhões do nosso planeta. E que essa corrente contínua de produção de corpos e territórios existenciais prossegue diariamente em nossas vidas.
Nesse processo de corporificação, diz Keleman, o assunto principal é levar adiante as formas que estamos destinados a viver enquanto animal humano -criança, púbere, adulto, adulto maduro, envelhecente, velho, parte da nossa herança genética. O que Keleman está querendo dizer, com isso, é que somos todos participantes da continuidade desse processo mórfico de existencialização corporal, onde o processo seletivo da evolução prossegue no dia a dia de nossa vida, no processo de invenção de futuros. Acúmulos de diferenças atingem seu limite desestabilizando nossa forma atual e nos lançando no inatual. Na continuidade do processo formativo, então, novas intensidades, virtualidades, imagens, sonhos, vão se selecionando a si mesmos até que esboçamos novos comportamentos, formas somáticas que dêem conta da excitação biológica gerada nos encontros com a nossa própria forma e as formas presentes contemporaneamente, e, inversamente, des-solidificamos comportamentos e formas que não mais nos viabilizam no mundo.
Sua segunda afirmação é que o processo vivo tem um investimento total em continuar a corporificar-se. E esse processo corporificante que, por sua vez está continuamente investido em manter a forma da sua herança, está num diálogo constante consigo mesmo.
E esse diálogo é sempre a respeito da minha situação imediata em relação às minhas diferentes ecologias – físicas, afetivas e incorporais.
Diz ele, se pensarmos o corpo falando através de acontecimentos não verbais, não simbólicos, que são sensações, sentimentos, motilidades, veremos que ele precisa falar de volta consigo mesmo de tal modo que possa influir em seu comportamento. Então o corpo, diz Keleman, influencia a si mesmo moldando-se a si mesmo em ações, inibindo-se a si mesmo ou agindo em relação a si mesmo. Isso, ele faz através de um elegante sistema de feedback a que chamamos cérebro: o corpo organiza a si mesmo para conversar consigo mesmo secretando para si mesmo um órgão que é capaz de receber de volta seus padrões de ação e conversar consigo mesmo sobre eles. Isso quer dizer que há sempre uma relação do corpo consigo mesmo ocorrendo o tempo todo. Essa relação ocorre como o modo pelo qual o corpo altera e regula a forma de suas expressões.
Isso revela que a preocupação central do corpo não é apenas sobreviver mas sobreviver através de uma relação consigo mesmo de organizar a experiência em formas e comportamentos, sustentando uma instância pessoal neuro-motora de múltiplas linguagens e camadas a que chamamos sujeito
3. Sobre o coordenador do grupo de movimento somático existencial:
– exerce seu olhar para as necessidades formativas dos grupos e seus membros;
– enxerga as tendências e funções das diferentes formas somáticas em construção;
– organiza somaticamente sua própria resposta somática e cognitiva;
– transmite a linguagem somático-emocional através de sua fala e presença somática;
– ensina os participantes a problematizar experiencialmente a função existencial de sua forma corporal;
– facilita a experiência e o manejo das camadas somático-emocionais com que construimos nossos diferentes corpos nos diferentes mundos de que somos parte;
– promove a sustentação das intensidades emocionais e sua moldagem em diferentes modos de ligação e ação.
4. Sobre o grupo, no Grupo de Movimento:
1. O processo formativo grupal a cada encontro e ao longo dos encontros se dá por contato, inclusão, controle, diferenciação e multiplicação;
2. O grupo matura a cada encontro e ao longo dos encontros ,como o soma humano ao longo do processo maturacional de sua forma, de vazio, para inchado, para denso, para rígido e para diferenciado, se tudo correr bem;
3.Cada fase de crescimento do grupo e de seus membros necessita de um vínculo formativo para que produza uma forma funcional ao longo do processo formativo: nutrição e abrigo, reconhecimento, prática do menos formado com o mais formado, comunidade e diferenciação;
4. É importante ter em mente que cada forma nova que se concebe, em qualquer fase de crescimento que seja ,passa também por todos esses estágios de consolidação de forma;
5.É importante, também, reconhecer que dentro de seu tipo constitucional, cada membro do grupo busca amor e dá amor de modo específico : amor como busca de vínculo para poder formar a si e a seu ambiente;
6.Há sempre um presente somático onde as formas contemporâneas estão operando, agonística ou antagonisticamente entre si;
7. Nessa forma estão comportamentos de relações presentes e passadas, organizando a relação com uma determinada situação presente. Essas respostas solidificadas, constuintes da forma, trazem em si a marca das experiências excessivas ou assimiláveis nas formas através das quais exerce sua potência formativa;
8.O processo formativo é sempre algo maior do que nós – estamos sempre dentro de um processos pré-pessoais e pós-pessoais: a tendência é sempre que respondamos a partir dos repertórios pré e pós.
9.Nossa liberdade dentro do processo formativo está em aprender a receber de volta nossas respostas, as formas de nossas próprias intensidades e intensidades do mundo, e através da repetição ser capaz de nos apropriar delas, regulá-las ou transformá-las, pessoalizando/ estabilizando formas que sejam mais funcionais/mais atualizadas.
5. A influência de Keleman sobre esta concepção de Grupo de Movimento:
Podemos dizer com Keleman, que a pratíca do corpar, inerente ao exercício do Grupo de Movimento, invoca em nós um campo organizativo, silencioso mas não inativo, relacionado à função natural de expandir e contrair. Esse organizar é sentido no padrão de pulso corporal que nosso cérebro é capaz de influenciar. O exercicio desacelera e digitaliza a sequencia do pulso num padrão de quadro a quadro. Isso intensifica / localiza e , em seguida , redistribui o pulso. Modificar o pulso do soma traz duração às nossas formas emocionais, organização e desenvolvimento de uma dimensão interna, um soma pessoal.
O exercício de corpar de Keleman presente no Grupo de Movimento tem vários passos:
– o primeiro é reconhecer como estamos corpados em determinada situação, nossa postura-pose imediata com seus sentimentos/estados mentais
– o segundo é reconhecer como fazemos isso muscularmente: mantendo nosso organismo definido pelas superfícies musculares tornamos distinta uma forma emocional.
– no terceiro passo, dispersamos essa forma emocional.
– Passo dois e três chamamos de sanfona.
– conter e dar suporte ao pulso cheio e a seus conteúdos emocionais incuba uma expressão emocional interna – esse é o quarto passo.
– expressões únicas emergem desse oceano somático – quinto passo.
Keleman se refere aos passos como o mestre interno do corpo.
Considera que a prática de juntar, pausar, dispersar gera excitação e sentimento que aprofundam a realidade cerebral – voluntária e involuntária – a nível emocional, cognitivo e gestual.
Diz que para mobilizar e depois influenciar a emoção, o desejo, a necessidade, o instinto , tornando isso tudo pessoal, é necessário participar da relação do corpo com ele mesmo.O exercício dos 5 passos desenvolve o diálogo entre o cérebro cortical e o cérebro emocional sub-cortical. O processo em passos influencia as frequências e amplitudes do pulso entre corpo e cérebro trazendo para a superfície cortical memórias emocionais corporificadas de comportamentos a serem reorganizados. Isso forma uma dimensão emocional interna que dá sentido ou significância à nossa presença somática.
Keleman recomenda que se conduza o exercicio em slow-motion, quadro por quadro, para que a digitalização dê forma e camadas distintas ao soma. Em ritmo lento, descobre-se o inchar e esvaziar, o para frente e para trás, o entre passado e futuro, expandindo e sustentando o presente. Com a prática de juntar e dispersar ficamos mas próximos da estrutura das nossas relações , das que nos são dadas e das que formamos ,do corpo que somos e do corpo que vivemos.
6. O dispositivo da experiência com os pacientes do HD:
Duração: 10 encontros
Dia: às 4os feiras
Hora: das 13 às 14 horas.
Pacientes: fora de crise – estimulamos a continuidade a cada semana mas vai que quer.
Local: salinha de cima, com janela clara ao fundo, mostrando um pouco de verde e céu.
Cenário: duas filas de cadeiras voltadas uma para a outra e um espaço para andar no meio.
5. Os encontros:
Aqui as notas de Denise se misturam com a minha escrita.
Denise, em sua função de anotar, esteve absolutamente presente na sala, em contato com os participantes, participando também quando se sentia movida a compartilhar alguma observação ou mesmo contribuir com indicações e suporte para algum participante. Os encontros 6, 7 e 8 ficaram inteiramente com ela.
Todos os outros encontros, eu mesma os conduzi.
No Grupo de Movimento (GM), pedimos que reconheçam como fazem o que fazem, como respondem à situação grupal presente com o conjunto de suas formas.
Para que possam fazê-lo, principalmente com pessoas de baixa organização, os imitamos,
o outros do grupo os imitam, pedimos que repitam um gesto, uma expressão, uma presença somática. Vamos também ajudando a criar uma memória dos encontros, das descobertas e experiências com o corpar, chamando de volta formas experimentadas em encontros anteriores.
O coordenador vê e ao mesmo tempo busca modos de dizer o que vê, para que o grupo experimente as formas e comportamentos descritos.
O GM é uma conversa extremamente concreta sobre como as pessoas parecem o que realmente estão sendo e sentindo, como mostram o que são e sentem, embora não o saibam muitas vezes.
O GM com esse grupo foi uma experiência de chamá-los para uma conversa no presente sobre como são e como às vezes temem ser – mostrando/fazendo/falando sobre seus sofrimentos, estranhas emoções e sensações físicas, mostrando fisicamente como é, encenando( biodramatizando, no dizer de Keleman) de modo simples e muitas vezes emocionante a forma física de sua experiência existencial, como pessoa e como doente. Falamos sobre nós, lá.
Era visível o esforço de concentração e presença – o grupo geralmente conseguia sustentar de 40 a 45 minutos de atenção corpada no trabalho
Primeiro Encontro:
Participantes: Reinaldo, Marcos, Gabriela, Jaqueline e Ivone.
Consignas:
As sensações, os sentimentos, tudo o que somos está no corpo.
Podemos aprender a conhecer melhor como fazemos para poder mudar o que fazemos.
Vamos fazendo (= posturando) e imitando .
As pessoas mostram ,nos jeitos delas, como são.
Como vocês me vêem? Como entendem a minha forma?
Respostas do grupo: tímida, alegre, comunicativa.
Fazem o meu jeito – dão mais e menos forma à forma imitada.
Como vocês fazem timidez? Alegria? Comunicação?
Como sabem que sou tímida?
Você vira os pés para dentro quando fala conosco.
Olhar para a coordenadora ( a coordenadora espelha as formas do grupo, para que eles possam receber suas formas de volta).
Tímida é virar as partes do corpo para dentro.
Como fazemos para esconder o que somos ou fazemos?
Experimentar nas próprias formas:
– esperto
-aberto/fechado
– proximidade/distância.
Como fazem os olhos? Como os olhos olham nas diferentes situações?
Através das formas do olhar trabalhamos: proximidade-confiança e distância- desconfiança.
Utilizamos essas quatro formas mínimas para operar a vinculação inicial.
Pequenos movimentos não reconhecidos anteriormente são repetidos, experimentados, imitados por todos: uma pequena ginástica emocional e de comunicação grupal.
No final, o tônus começa a se auto-regular reflexamente.
A coordenadora usa de um pequeno dispositivo pedindo que o grupo fique um pouco com os braços levantados. Aparecem, então, reflexos de extensão: espreguiçar, alongar, encolher.
No GM, um dos segredos é passar diretamente de um registro para outro – das atitudes, para os sentimentos, para as propriedades fisiológicas das ações, para anatomia delas, etc.
Como sabemos o que estamos sentindo?
O coração faz o ritmo da vida em nós.
Experimentando os ritmos, colocando a mão sobre o coração.
Como o coração está batendo?
Imitamos o som do coração que telegrafa um estado.
Achando as palavras,expressivas (e não descritivas), bombeadas pelo pulso do coração.
Tocando a canção da experiência a partir dos diferentes ritmos de cada pessoa do grupo.
A forma ,simultaneamente, comunica e organiza o que sentimos .
Segundo Encontro:
Participantes: Reinaldo, Marcos, Jaqueline e Lucimeire.
Consignas:
Lembrando o grupo anterior: confiança – desconfiança , aberto – fechado.
As batidas do coração. A voz do coração.
O espreguiçar.
Lembrando a forma “tímida da Regina”- a forma tímida com os pés virados para dentro.
Fechando e abrindo os pés (sentados). Fechando e abrindo a forma – focando a forma.
Imitando Lucimeire, que diz seus pés não tocarem o chão.
Imitam, sentados ,pés pendurados no ar, sem tocar o chão.
Reinaldo diz: “Quando os pés não tocam o chão perdemos o controle”.
Notam que falta de forma é a mesma coisa que pouco controle.
Dialogo com as pernas: Como são nossas pernas ? Espertas, magricelas, compridas, frágil
e forte. Diferença entre perna esquerda e direita. Lucimeire conta a estória do acidente com o tornozelo.
Andar pela sala. Percebendo os diferentes estados emocionais. O modo de andar relacionado ao estado de espírito.
Percebendo a respiração associada á ação .
Descobrindo os braços-expansão/contração do peito relacionadas ao uso dos braços.
Mapear, lembrar e exercitar.
Qualidade da experiência associada á ação: fraco, forte, instável,esperta .
Jaqueline percebe como se defende com a perna direita.
Longa conversa falando/fazendo as expressões das nossas pernas.
Marcos percebe que tem braços “desgrudados” do corpo.
Como nós poderíamos ajudar o Marcos a fazer um braço que ajude a encher de ar o peito? Respiração experimentando estados de encher e esvaziar.
Construímos uma associação de olho mão- braço- respiração.
Os olhos servem para pegar coisas que o braço não alcança.
A respiração expande e recolhe.
Da janela, alcançamos brilhos, sombras e objetos à distância
O grupo como multiplicador, sustenta a cumplicidade, mostra e ensina jeitos.
Contamos estórias somáticas do que estamos fazendo. Descrevemos, em termos somáticos, formas e expressões de cada um . Paramos em diferentes formas, experimentando junto, descobrindo ações e sentidos um pouco diferentes, reconhecendo como sentem e o que sentem, a partir de suas formas corporais. Reconhecendo a correspondência do dentro com o fora. Falando e fazendo ao mesmo tempo. Olhando, reconhecendo, imitando o que sente o outro. Recebendo os efeitos de vitalidade e presença quando sintonizam com a própria forma, ação, expressão e sentido
Terceiro Encontro
Participantes: Marcos , Meire , Reinaldo, Jaqueline.
Consignas:
Relembramos o encontro anterior:
Como eram as formas pouco formadas?
Como foi o movimento com as pernas?
Marcos lembra que a Regina pediu para ele encostar os pés no chão.
A Lucimeire não alcança o chão, lembra o grupo.
Reinaldo lembra da sensação de descontrole com os pés longe do chão.
Reinaldo se reconhece alto e Lucimeire pequena.
Experimentam suas diferentes alturas, falam de suas referências familiares de tamanho, situam o tamanho como relativo.
Marcos diz: “Eu gostava do tempo que era pequeno, porque era protegido “.
Experimentamos formas de proteção.
Trabalhamos em duplas : a pessoa em pé faz a forma do que oferece proteção, e a pessoa sentada(para ficar pequena) recebe proteção. As pessoas vão trocando sucessivamente de posição até que todos tenham vivido as duas formas: protetor e protegido.
Os movimentos acontecem com gestos de forma delicada e de grande emoção. Silêncio e respeito ambientaram a sala.
Gestos de proteção tocando suavemente o ombro do parceiro.
O que vocês estão sentindo? Pela respiração podemos descobrir como estamos nos sentindo.
Mais calmos, dizem.
Como vocês percebem sua relação com o ar que entra em você?
As mulheres do grupo se perceberam cheias de ar e com ansiedade. Os homens, vazios de ar. Dizem, ficar vazio é uma forma de não fazer bobagens e, também, de não sentir o sofrimento.
Experimentam ficar ,costas com costas, em duplas, para sentir a respiração do outro e tentar descobrir o que ele pode estar sentindo. Ficam um bom tempo explorando essa situação. Depois ficaram meio perdidos e o ambiente, meio esvaziado.
O que está acontecendo na cabeça? .
Marcos e Meire falam de cabeça vazia, de uma sensação de depressão.
Reinaldo fala de um aperto dentro da cabeça.
Regina pede para ele fazer com as mãos a forma do aperto. Pede que faça o gesto diante do próprio rosto, olhando. Pede para ele dizer :“Este é um nó que não desmancha”
Ficaram tristes.
Será que vocês podem lembrar uns aos outros ,durante a semana, o que estamos aprendendo sobre nossas formas ?
Meire diz que lembrou de falar,várias vezes, para o Marcos encher mais o peito.
Terminamos o grupo com uma roda e lembrando como é proteger e ser protegido.
De forma suave, delicadamente, deixando-se tocar os ombros no circulo.
Com seus poucos recursos pessoais de sustentação, eles tendem a perder forma e a experimentar sensações de desorganização .
As consignas têm sido direcionadas para ajudar a aumentar o limiar de sustentação de presença, individual e grupal.
Quarto encontro
Participantes: Reinaldo. Marta, Jaqueline.
Consignas :
Lembrando o grupo anterior: os sentimentos acontecem no corpo.
Apresentando o grupo anterior para a Marta. Reproduzindo formas de proteger e ser protegido.
Marta se emociona com a proteção e lembra da briga que teve com o filho antes de sair de casa. Diz: – Este movimento é muito profundo.
Como seria trazer força para dentro do corpo? Como se ligar no que é mais forte no meu corpo?
Marta diz : quando sinto meu corpo mais quente e isso me dá força.
Regina:Vamos procurar respirar no peito e tentar ao tocar o outro passar força para ele.Onde sou forte?.
Marta fala de sua pernas que são fracas.
Regina: – Vamos experimentar as pernas com movimentos soltos e redondos , colocando de forma firme os pés no chão. Dando apoio com a palma da mão na coluna, formamos um trenzinho , um apoiando o outro .
Experimentando formas do andar: o andar pesado ( Jaqueline e Marta ) , o andar desconfiado e envergonhado ( Reinaldo ).
Regina: “Nós sentimos de acordo com o que fazemos . Se imitarmos um olhar de desconfiança, vamos descobrir sentimentos de desconfiança .
Vamos imitar o andar pesado, fazendo a cabeça pesada, os olhos para baixo ,olhando o chão.
Alguem diz que assim corpo balança como se estivesse solto no mundo.
Vamos achar um jeito de olhar para cima. Vamos colocar as mãos na cintura, vamos tentar apoiar nossa coluna e sustentar nossa cabeça.
Os andares vão ficando mais leves e menos desconfiados.
Descobrimos que esse é um modo de andar que permite ver , ouvir e sentir mais.
Quinto encontro
Participantes: Jaqueline, Josué, Gabriela, Renata
Consignas:
Lembrando o grupo anterior.
Jaqueline apresenta o grupo para os novos, como um espaço de apoio e ajuda, onde aprendemos uns com os outros.
A partir da lembrança do olhar desconfiado e do olhar mais seguro doencontro anterior, começamos uma conversa sobre as formas de olhar. Então fomos descobrindo as diferentes formas de olhar de cada um : olhar triste,olhar longe,olhar pesado de cabeça cheia,
Foram aparecendo impressões de si a partir da imitação dos diferentes olhares. Então apareceram falas sobre: a sensação de corpo inexistente,o corpo como invisível,a alma distante do corpo.
Como será que podemos fazer para juntar a experiência do olhar com as sensações corporais ?
Vamos começar a prestar atenção nas nossas articulações, nas juntas do corpo.
Posturando a forma sentada , vamos imaginar, só imaginar: como seria levantar e ficar em pé? Onde será que nós nos acionamos para ficar em pé?. Então vamos percebendo que nós nos juntamos através das articulações, criando uma força de propulsão que nos coloca em pé. Depois abrimos as articulações para sustentar nossa forma em pé. Abrindo e fechando as articulações vamos criando uma forma, um jeito nosso de nós movermos e nos colocarmos no mundo.
Respostas do grupo depois de experimentar, corpando e imitando formas de se articular:
– Aprendi a andar mais atento,
– Fiquei mais ligado, me sinto mais romântico
– Estou mais segura,
– Percebi que meu andar é tímido.
Trabalhando com a Gabriela:
Regina: Onde você acha que começa aparecer sua forma tímida ? Sinta a forma da sua bacia, ela tem um jeito de se segurar contraindo as juntas, como se fosse para segurar a vergonha.
Gabriela:- “Minha família me critica e eu me sinto ridícula, acho que pareço um robô. Minha mãe me vai me colocar nas aulas de dança para eu me soltar .
Regina: Experimente caminhar na sua forma tímida, sentindo seu peso, e sentindo todas suas articulações.
Gabriela repete muitas vezes o andar tímido até começar a usar mais as articulações.
Regina: Agora você vai continuar andando e ao mesmo tempo vai dizer: – Eu posso mexer as minhas articulações, eu sou bonitinha e não sou ridícula .
O grupo vai repetindo junto com ela : você pode mexer suas articulações porque você é bonitinha e não é ridícula.
O grupo diz: não sabia que o corpo mostrava tanto de nós, mexer as juntas me ajudou a sentir mais solta e mais leve.
Sexto Encontro
Participantes: Josué, Jaqueline, Marta, e Reinaldo .
Consignas:
Retomando o grupo anterior.
Lembrando formas: tímidas, ausentes, desconfiadas.
Ao apresentar as formas o grupo começou a ganhar um tom mais afetivo.
Denise: – Como nós podemos contar o grupo passado para a Marta?
O grupo começa a falar e Marta diz que se sente acolhida mas que não merece tanto cuidado.
O grupo começa a dizer a Marta que também sentem muito acolhidos e cuidados na relação com ela.
Denise: – “Vamos caminhar procurando achar em nós a nossa forma afetiva. Se eu pensar em demonstrar afeto que forma se organiza em mim?
Aparecem no grupo formas tímidas e recolhidas, inundadas, desmanchadas e desconfiadas.
Denise: – “Vamos imitar as formas que apareceram, vamos provocar em nós a organização destas diferentes formas de nos fazermos afetivos”.
Depois de algum tempo experimentando as diferentes formas, fazendo-as deslizar no contínuo de mais consistência ( mais forma ), e de desmanchar ( menos forma ), o grupo começa a organizar suas respostas particulares.
Reinaldo começa a encher mais o peito de ar e seus olhos começam a ficar menos desconfiados, aumentando o contato.
Marta fica mais focada nos olhos e menos inundada no peito, com as pernas mais organizadas aumenta sua sustentação.
Josué vai lembrando da maciez e da flexibilidade das articulações, e começa a ficar mais lúdico.
Jaqueline vai se reunindo, puxando os membros para mais perto da coluna, fazendo articulações menos frouxas , mostrando-se mais segura.
Denise: – “Com estas novas formas que vocês organizaram, vamos experimentar formar duplas, e frente à frente com as palmas das mãos em contato com as do outro, vamos experimentar transmitir afeto e receber afeto, um parceiros que fica ativo e outro o recebe, depois invertem o movimento.
Terminamos o encontro com uma conversa sobre como é sentir-se mais em contato sem se sentir inundado, mais preenchidos ou não tão vazios.
Sétimo Encontro
Participantes: Josué, Jaqueline , Sandra , Marcos.
Consignas:
Retomando o grupo anterior. Antes mesmo de o grupo contar para Sandra o encontro anterior, Marcos deita a cabeça em seu colo e pede carinho. Sandra assusta-se e fica rígida, quase congelando ao contato. Marcos, de espalhado volta a se reunir, e diz que ás vezes é muito difícil conter seus impulsos. E organiza mais contenção.
Denise: – “Começamos então uma conversa a partir destas formas que apareceram. Trabalhando proximidade e distância , vamos aprender através do manejo dos braços e do peito formas que nos abrem para o contato e formas que nos fecham “.
Os padrões do contínuo do susto apareceram através de formas extremamente rígidas e desmanchadas. Trabalhamos no sentido de fazer mais e menos rigidez. Neste momento começamos a organizar formas de dizer não e limitar o contato e formas de dizer sim liberando o contato.
Experimentamos estas formas formando duplas que trabalharam movimentos de proximidade e distância, prestando atenção na respiração para poder escolher entre proximidade e distância, ou entre dizer sim e não. Usando os braços para limitar o fazer crescer o contato , sempre conectados com as respostas do peito e se permitindo respeitar a si mesmo e ao outro .
Terminamos o encontro andando e percebendo os efeitos , e organizaram respostas com formas mais preenchidas e leve.
Oitavo encontro :
Participantes: Marta, Sandra, Jaqueline, Meire, Renata, e Marcos.
Consignas:
Retomando o grupo anterior: – “Sandra traz a experiência de estar sentindo-se mais segura, ao andar no metrô pode fazer com as mãos limites para as pessoas”
Meire traz a questão de que como não pode estar nos grupos anteriores, temia não conseguir acompanhar o grupo.
Marcos fala da dificuldade de ficar contido”.
Denise: – “Vou propor à vocês que nós fiquemos em pé, e fazendo contato com nossas pernas vamos nos apoiando nelas, encontrando um jeito de nos sentirmos firmes em nossas pernas. Então mais apoiados em nós, vamos pesquisar formas que eu venho com mais freqüência experimentando . Então nós vamos expandir e contrair estas formas , no sentido de deixá-las mais nítidas”.
Respostas do grupo:
Sandra fala da dificuldade de lidar com o fato de chamar à atenção dos outros. Fica assustada quando se sente observada, vai contraindo todo o corpo, principalmente o peito e os ombros. Descobriu que fazendo uma forma mais flexível pode fazer movimentos de proximidade e distância, isso fez com sentir-se mais segura. Aprendendo a dizer sim e não, através de uma atenção maior na respiração e nas sensações do peito”.
Marta fala como se desmancha no contato com o outro, pois vai ficando inundada de emoção. Fazendo mais e menos a forma desmanchada pode descobrir a ação dos músculos que podem sustentar sua coluna , e fechar um pouco o peito, estes movimentos lhe permitiram descobrir como é estar em contato e não ficar tão inundada de emoção”.
Renata fala da dificuldade de se mostrar, lembra que teve que abandonar a faculdade de arquitetura porque no último ano teria que se expor à uma banca examinadora. No grupo experimentou desconforto e frente suas falas começou à experimentar angústia”.
Meire sente-se tocada pela fala da Renata, e diz que quando assumiu um cargo de coordenação perdeu a voz, pois teria que falar nas reuniões. Diz – “Minha psicóloga fala que eu tenho atitudes infantis. Depois do acidente que sofri só me sinto segura com meu marido.
Denise – “Você percebe que conseguiu se colocar e se expor diante do grupo, mesmo sem a presença do seu marido?”.
Meire fica alegre e diz que não havia percebido, mas que a sensação agora que pode perceber é muito boa, de confiança e expansão.
Jaqueline fala de sua timidez. – “Parece que minha timidez aparece quando me contraio e fico menos desmanchada.” Então conversamos de como a forma tímida também é uma forma de presença, e que assim ela pode se fazer presente.
Marcos fala da falta da “Regina”, pergunta se ela ainda está viajando . – “Diz : – Foi ela que começou o trabalho comigo .
Nono encontro
Participantes : Adriana- A, Adriana- B, Meire, Reinaldo, Sandra, Marta.
Consignas:
Ao iniciar o grupo Adriana A fala que deseja ler uma poesia.
Regina : – “Está bem! Você pode ler”.
A poesia fala do sofrimento de não ser compreendida em seu sofrimento.
Regina: – “Como é podermos falar do nosso sofrimento, como nós percebemos a forma de sofrimento em nós.
Neste momento começaram falas dos sentimentos que vivem.
Adriana B – “Eu sofro de bulimia, sinto um desespero enorme de ficar com o alimento na minha barriga, ela é enorme e eu preciso vomitar para aliviar minha angústia. Quando minha mãe fecha o banheiro e eu não posso vomitar, pego uma faca esquento no fogo e me corto, precisa doer muito para aliviar a dor que sinto dentro de mim .
Regina – “Como você percebe o tamanho da sua barriga “.
Adriana B. – “Ela é enorme, eu sou enorme, muito gorda.
Regina – “Venha aqui perto de mim, e vamos experimentar o seu tamanho em relação ao meu tamanho. Toque em mim perceba as proporções e vá medindo. Agora você vai fazer isso com o grupo todo, um de cada vez. Você acha que é maior que todos eles, então você vai tocá-los e comparar com seu tamanho, vai tocá-los e depois tocar você mesma”.
Adriana B – “Sinto um vazio dentro de mim, mas estou um pouco mais aliviada.
Regina – “Vamos procurar após esta experiência respirar um pouco,vejam todos ficamos afetados pelo sofrimento da Adriana B. Então vamos encher e esvaziar o peito, deixando o ar entrar e sair.
Sandra – “Eu compreendo a Adriana B. , eu entrei em uma loja e comprei oitenta pares de sapato, não consigo conter a compulsão. Me acho horrorosa, meu rosto é todo deformado, todo retorcido”.
Regina – “Mostre para nós este rosto, como ele é ? “
Sandra vai montando uma expressão de horror, criando uma careta. Regina pede que ela junte as mãos em sua expressão colocando-as ao lado do rosto. Ao mesmo tempo pede para que todo o grupo reproduza a expressão da Sandra .
Fazendo mais e menos na expressão de horror vão surgindo no grupo sentimentos de: tristeza, medo aflição e angústia.
Adriana A – “Eu me sinto perseguida, com sentimentos de traição. Como se todo tempo tivesse alguém atrás de mim. Empurrando as minhas costas.
Regina – “Mostre para mim como é a pressão nas costas. Faça nas minhas costas o que você sente na sua, usando sua mão. Agora você vai pressionar e dizer : “Você está condenado !!!!.Formando uma roda todo o grupo vai organizar esta forma, vamos fazendo uns com os outros.
Terminamos o grupo abrindo para compartilhar as experiências deste encontro. Falas do grupo: – “Vivemos muita solidão e sofrimento , poder compartilhar foi muito bom. Trouxe alívio.
Décimo encontro:
Participantes : Adriana A, Adriana B , Sandra, Marta, Reinaldo, e Meire
Consignas :
Lembrando o grupo anterior. Falas do grupo:
– O espelho deformado da Sandra,
– A compra dos oitenta pares de sapato,
– Experimentando os diferentes tamanhos de barriga com a Adriana B.,
– A Adriana A leu sua poesia e contou sua estória.
Adriana A – Ah! Eu vou desmaiar!
Regina: – Encoste sua cabeça. Parece que você está arrumando um jeito de chamar a atenção.
Adriana A – Não, eu estou passando mal.
Regina: – “Agora você está melhor?. Então podemos parar de olhar para você.
Adriana A – Onde está minha atenção !!!!!!!. (Sorrisos).
Regina: – “Como vocês fazem para chamar atenção?. Cada um vai ocupar esta cadeira ã frente do grupo e mostrar como faz para chamar atenção, e o grupo vai imitar a forma apresentada. Um de cada vez vai sendo o protagonista.
Reinaldo: – “Eu não gosto de chamar atenção. Acho que tem algo errado em mim quando as pessoas me olham. Forma: caladão, respirando contido, expressão fechada.
Adriana A – “Eu não sei chamar atenção. Então foi soltando o cabelo,ficando dengosa, jogando charme.
O grupo mostra para ela sua forma, ela reconhece.
Adriana B – “Chamo atenção me cortando.
Regina a convida a mostrar como faz. Então ela vai passando a unha sobre o braço como se estivesse usando uma faca. Num primeiro momento diz que precisava de uma faca. Regina diz não, e a convida a fazer o movimento com a mão. O grupo reproduz seu movimento para que ela possa ver. Ela diz que ficou desesperada de ver, mas não sabe fazer diferente.Conta que a irmã ao ver, no outro dia, tapava os olhos dizendo: Não quero ver coisa tão horrorosa.
Regina pede par o grupo repetir em coro muitas vezes a frase enquanto ela simula cortar-se: – “Não quero ver uma coisa tão horrorosa!”.
Adriana B: Fico com vontade de continuar cortando. Passar o dedo de leve com a Regina sugeriu não é bom, porque a dor é importante para mim, alivia minha culpa de comer, porque comer engorda. Eu não posso ser gorda porque ninguém vai me aceitar.
Regina – “Gostaria que você escolhesse alguém para fazer este movimento suave no seu braço. Enquanto ela estiver tocando você vai repetir: – Ela está me aceitando mesmo com todos os meus defeitos”
Adriana B – “Eu escolho a Adriana A. Ela vai recebendo o contato, enquanto vai repetindo a frase Regina a orienta para colocar a mão sobre a barriga, como se ela estivesse recebendo uma comida boa, que pode fazê-la crescer.
Regina: – “Você diz para si mesma : – Eu te aceito, – Eu te quero bem.
Adriana B.: – Isso tudo me acalmou “.
Sandra: – “Cabeça baixa, as mãos se apertando. Sentindo-se sozinha, infeliz e angustiada. Regina diz: – “Quando uma pessoa se fecha ela fica sozinha, como seria achar um jeito de colocar as pessoas perto”.
Aparece então um jeito de chamar com os olhos. O peito vai saindo do susto. Ela vai recebendo a solidariedade do grupo. Respirando e olhando, vai ficando emocionada de poder receber.
Meire – “Eu preciso da atenção do marido 24 horas por dia. Quando ele não pode estar comigo sinto uma angústia enorme,para aliviar eu me bato com objetos, pulo da escada, me enfio em baixo da cama.
Regina a convida a reproduzir o gesto de bater. Ela vai batendo lentamente com o punho fechado na perna. Eu não quero bater, mas não consigo parar. A angústia é maior que o desejo de não me machucar.
Regina: Parece que é uma criança que agarra na mãe e não pode deixar ela ir.
Regina: – Vamos criar com o grupo em roda um ninho, um berço, para conter e embalar a Meire.
Então o grupo criou uma forma aconchegante de embalar , com movimentos suaves, firmes e redondos, todos muito próximos. Cada membro foi revezando em fazer parte da membrana que dava contorno e ficar no centro do grupo recebendo cuidado e se aninhando. Todos puderam experimentar as duas formas do que acolhe e do que é acolhido.
Trabalhamos o tempo todo com a multiplicação de cenas, aprendendo uns com os outros
Isso ajuda criar validação de si juntamente com uma ecologia onde esses singulares comportamentos funcionam para produzir contato, ajuda, conhecimento, e sobretudo fazem sentido .
S. Paulo, novembro de 2000.