Viver o processo formativo no processo grupal… gravar, transcrever, editar, produzir a partir das edições… prosseguir absorvendo o vivido, aprendendo em si como os corpos se produzem continuamente no acontecimento(leia mais em Presença)… produzir sempre novas experiências sobre experiências anteriores gerando mais camadas de experiencia… contemplar as gravações, aprender a ler as mutações do vivido sobre os corpos… e, mais finamente, corpar as ações … problematizar ao vivo… produzir diferença… finamente…aplicando a metodologia formativa em aprendizagem…viver, apreciar e praticar as novas conexões e realidades que a diferença dispara… mais e mais camadas de realidade somática se seguem, incluindo a diferença produzida…
O acontecimento editado
1. Sempre se começa captando o que se está vivendo. Sem facilitações. É o que é. Todos compartilhando da mesma dificuldade: começar alguma coisa. Para isso, começamos imediatamente ser apresentados às ferramentas do método formativo.
2.Antes de tudo, identificar-se com o como se está corporalmente organizado. A organização corporal para o acontecimento expressa o que estamos fazendo, ali.
É com esse corpo, nesta forma, nesta organização, que vivo o que estou vivendo, dentro do acontecimento. Ações não são movimentos no espaço mas antes de mais nada, organizações de si que geram tal ou tal efeito, que nos conectam com o ambiente de tal ou tal modo, nos fazem viver isso ou aquilo.
3.Como se põe em andamento um processo de produção de ambiente quando um silêncio se instala em cada corpo, nos primeiros momentos de uma grupalização?
Aprendemos sobre corpos apreciando, no ato, os modos e comos dos corpos, ou seja, o como fazem o que fazem e o como vivem o que vivem. Ajudamos a perceber que esses modos e comos são formatações anatômicas… configurações de si.
4. Ajudamos a reconhecer essas configurações em cada corpo. Essas configurações se expressam na tessitura muscular da presença de cada corpo. Como você está aqui? Através de que ações muscularmente estruturadas você contém a si e se conecta com o ambiente de que está sendo parte?
Nesse primeiro momento grupal aqui retratado, cada corpo está funcionando em modo-silêncio.
Não se pode esperar que os corpos façam diferente do que estão fazendo. Por essa razão, só faz sentido extrair exercícios ou experimentações, como se queira chamar, do acontecimento. A essa operação chamamos problematizar.
5. Problematizamos como uma maneira de afinar nosso funcionamento, ao vivo, com o processo geral. Afinamos para prosseguir. Todos podem sentir em si, todo tempo, a pressão da vida para prosseguir. Prosseguir significa engajar-se na continuidade da produção de corpo, ambientes, linhas de vida, redes. Seguir o programa do vivo. Todo os corpos vivos, queiram ou não, estão destinados a gerar seu futuro.
6. Como é significa como funciona.
O design da forma é o seu próprio funcionamento.
O grupo está em silêncio e o silêncio em cada um está organizado de um certo modo.
Cada um pode voltar-se para si e captar-se em seu silêncio. Como cada corpo faz o seu silencio? Como realiza a ação de silenciar? Qual seu design? Como é o seu modo de produzir silenciar?
7. Captar é diferente de imaginar ou de observar.
Captar é reconhecer e identificar-se com o como estou fazendo esta configuração anatômica, esta postura, esta atitude, esta presença.
Postura, atitude, forma, organização de partes, funcionamento, resultam no que se chama comportamento.
8. Captar: como estou me comportando?
Essa é a chave que nos permite imediatamente passar do anatômico para o emocional, para o existencial. O que estou fazendo? Como estou me comportando aqui e agora para fazer minha parte nesta cena, nesta configuração de um ambiente que nasce? A postura me mostra a atitude, o funcionamento, o que estou fazendo.
9. Comportamento é o que estou fazendo.
O que eu estou fazendo para participar daqui?
O corpos, neste campo, estão silenciando.
Cada corpo está como? Fazendo silêncio como?
Os corpos estão sempre fazendo alguma ação, de algum modo.
10.Ajudar cada corpo silencioso a se fazer perguntas:
Como você usa a sua anatomia para silenciar?
Como modela-se o silencio em você?
Capte essa forma que se chama silenciar.
Silenciando… é o que você esta fazendo.
Como agrego partes da minha anatomia particular para modelar o ato de silenciar?
O que faço com o este peito, com esta barriga, com este assoalho pélvico, o que eu faço com esta garganta, com estas costas, ombros, dentro da cabeça, etc, etc?
Convoco partes, direções de forças e produzo silenciar.
11. Pode-se a essa altura anotar nos cadernos:
Como você faz… como você faz o silenciar… fazer uma pequena descrição das ações envolvidas nessa ação de silenciar… levantar, apertar, dispersar, esticar… aqui, ali, isto, aquilo…. procurar os verbos… as ações que a estrutura anatômica particular de cada um faz sobre si mesma para silenciar. Queremos aprender sobre corpos.
12. A seguir, tentamos usar essa descrição como uma indicação. Você vai tentar fazer intencionalmente o que você captou e descreveu do seu silenciar involuntário.
Ao repetir a mesma ação várias vezes, você confere e amplia a descrição desse comportamento de silenciar em você.
13. Esboce, a seguir, um desenho dessa forma.
Faça um contorno da sua forma e indique as ações sobre si, com flechas, linhas mais fortes, pontilhados etc… Como você faz corporalmente para produzir silêncio?
14.Você estará começando a fazer uma cartografia deste acontecimento. O acontecimento é uma paisagem viva.
E a cartografia é uma descrição gráfica e verbal dessa paisagem onde os corpos são produtores e produzidos.
Com sua postura, sua atitude, sua forma que no caso é o seu silenciar, você é parte na produção deste acontecimento que é o silêncio grupal inicial.
Estamos começando a produzir coletivamente essa cartografia.
15. Como você está sendo parte desta paisagem?
Já temos a descrição do comportamento.
Podemos avançar.
Como modelo as intensidades em mim para produzir isso? Isso é uma expressão, uma resposta, um comportamento… únicos, embora genéricos… que ações exerço sobre mim mesmo para produzir isso, esse comportamento em questão? Comportamento é o mesmo que o funcionamento que me conecta de certo modo a ambientes.
16. Ao se identificar com a forma do seu comportamento de silenciar, aqui presente, no caso, você vai perceber duas coisas: que nossas intensidades são a excitação biológica face o acontecimento e que cada corpo em particular responde de um certo modo ao acontecimento no qual está imerso.
Acontecimento é a configuração do presente, o estado de coisas de que sou parte.
16. A excitação preenche um corpo de si mesmo… vivifica as partes anatômicas envolvidas na resposta ao acontecimento, que, no caso, é silenciar.
A forma comportamental é a resposta de um corpo.
17.Como respondo a este acontecimento de que nós somos parte, a essa ecologia mínima que é este acontecimento… Como é o meu modo de produzir silenciar?
Resumindo:
1. Num primeiro momento, faço a descrição daquilo que capto enquanto forma anatômica presente.
2. A seguir, uso essa descrição para fazer intencionalmente esse forma que no caso é silenciar, só que de maneira mais nítida. Vou usar todas a indicações, que a descrição ( como é) fornece.
3. Posso, então, agregar intensidade muscular a essa forma,intensificá-la, fazê-la com mais nitidez, colocar um grau a mais de tônus …ou um grau a menos…. fazer variações na configuração captada.
Com esse procedimento, estou também, finamente, vivificando essa forma.
Começo , então, a estabelecer uma relação do corpo que já existe com a forma gerada diante do acontecimento. Esses são os três primeiros passos da metodologia do COMO que tomamos emprestado a Stanley Keleman. Os três primeiros passos servem, para que um sujeito possa ativamente se colocar na ação que se fez nele involuntariamente.
Esse identificar-se com a própria ação como um design anatômico no presente começa a nos encaminhar para reconhecimentos mais amplos para além do nossa vida individual. Começamos a nos identificar como produtores de ambientes (leia mais em: Um corpo na Multidão) a partir dessa potência produtiva dos corpos que estamos identificando em nós. Estamos começando a captar como corpos e ambientes se fazem continuamente, a acompanhar e intervir no processo natural dos corpos de secretar a si mesmos.
O processo formativo que estamos começando a estudar aqui, trata dessa potência e seus comos.
Recomendações para os solos:
1.A essa altura, cada um poderá mostrar isso que já está mostrando: sua forma de participar deste ambiente.
Vamos mostrar para o grupo como cada um faz para modelar suas intensidades e produzir o silêncio que é o nosso ambiente, no presente…
2.Surpreendentemente, o comportamento de silenciar que antes isolava, pode começar a constituir inclusão e encaminhar uma produção coletiva de ambiente.
3. O que havíamos reconhecido inicialmente como efeito de uma ação imobilizadora, o silêncio, no caso, passa a se revelar como um instrumento para a constituição somática da presença.
4. Para mostrar, fica-se em pé. Assim utilizamos plenamente nossa estrutura. As ações envolvem uma modelagem circunscrita a uma área de expressão, por exemplo, uma boca que faz conexão através de um sorriso. Mas ,o restante do corpo se modela, simultaneamente, nas diferentes camadas e estruturas que compõem um corpo para que se produza presença.. Isso gera as notas complementares da experiência principal…
5. Pergunta-se: como faço o que faço? Essa pergunta vale para cada ação do nosso contínuo de ações na continuidade da nossa vida. No caso, dentro da nossa realidade grupal, vamos evocar nosso design particular de como silenciamos.
6. Ensaiar: antes de solar, cada um deve ensaiar no seu lugar. Apenas um esboço, uma pesquisa, um desenho tônico, uma evocação motora, quase invisível. Antes de qualquer ação, ensaiamos em algum nível do nosso funcionamento. Os bebês ensaiam cada nova aquisição motora. Ao ensaiar, muscularmente ou mentalmente, estamos ativando as formas e suas conexões neuro-motoras.
7. Atenção: não estamos buscando criar nada artisticamente, não queremos nos livrar de hábitos, não queremos diagnosticar padrões neuróticos de funcionamento, não queremos representar nada. Queremos praticar intencionalmente o que os corpos fazem todo o tempo para se manter coesos e conectados: ações sobre si mesmos. Não se trata de uma ação no espaço mas ações sobre si. As ações e o deslocamento no espaço(movimento) são uma consequência de um conjunto de ações sobre si.
8. Intensificar: vamos fazer esboços e a seguir intensificações. Vamos definir melhor muscularmente nosso modo de fazer uma ação. A intensificação torna mais claro aquilo que se faz imperceptivelmente.
A intensificação permite que o córtex reconheça e registre uma configuração motora.
Vamos intensificar fazendo os aumentos de intensidade passo a passo, reconhecendo um design, testando suas amplitudes em graus. Intensificar e des-intensificar.
9. Menos é mais: faça menos para se sentir menos representativo e mais no esboço motor da ação captada…. assim você pode perceber esse comportamento… essa atitude… quando você faz a ação mais sutilmente, você vive a intensidade e identifica o sentido do que está fazendo… isso, então, emana de você e se comunica com os outros corpos.
As formas dos corpos conversam entre si.
Alguns solos: modos e comos do silenciar
… silenciar para a Natalia é contrair as costelas, mantê-las apertadas e ausentar-se do rosto…
… silenciar para o Sergio é imobilizar o diafragma torácico e desviar sua atenção do ambiente olhando para os próprios pensamentos….
… silenciar para a Ana Paula é contrair os tubos e mantê-los contraídos…
… silenciar para a Dafne é esvaziar-se, zerar intensidades…
… o Caio modela seu silêncio levando os ombros para trás, os olhos para cima e o peito para a frente…
… o Fernando silencia empurrando a nuca para trás e baixando a garganta….
… a Mariana contrai e desativa a excitação no tórax e ativa um lugar para si na barriga….
Alimentando o ambiente:
1. compartilhar:
O que se descobriu fazendo, o que fez para fazer silêncio. O que se descobriu sobre comos e modos? Com certeza as pessoas descobriram, fizeram hipóteses, reconheceram, identificaram…
2. produzir conhecimento coletivo:
“O silenciar é específico… o meu era um silenciar carregado de angústia… era esse silenciar, um silenciar de angústia, incômodo, da não-fala…cada silêncio é muito especifico…”(Leila)
“Não sei se no tempo de vocês ainda se fazia análise sintática na aula de português.. Sujeito. Verbo. Objeto. E do verbo puxavam-se os advérbios. Por exemplo, silenciando com angústia. Podemos seguir agregando qualidades(modos) às nossas ações até chegar naquilo que é totalmente singular… podemos substituir modos… desestruturar a forma da angústia e fazer silêncio, por exemplo, com calma… podemos agir sobre nossas ações… ”(Regina)
O que estamos vislumbrando no método do COMO é que estamos evidentemente lidando com a possibilidade de editar nossos comportamentos estruturados… isso é o que que chamamos de atualização de si… dos modos de conter as próprias intensidades e conectar-se com o acontecimento presente.(Regina)
“Cada silenciar tem uma qualidade singular… houve alguns modos de algumas pessoas que ressoaram muito para mim. Senti que a gente pode aprender vocabulários que podem trazer novos modos de fazer…”(Natalia)
”O sentido dele fez sentido para você.
A gente está falando dos comos do viver no coletivo, em rede, nas ecologias… onde existem muitas variedades de como… onde os comos circulam e contagiam”(Regina)
”… consegui perceber a emoção quando uma pessoa silencia… uma configuração emocional se apresenta…”(Iara)
“…não existe forma que não seja também uma configuração emocional. Todas as formas. Mesmo a ginástica mais básica , fazer peso, correr na esteira, o que for, tem sempre uma forma emocional… como também tem uma camada de pensamento… no comportamento coexistem muitos níveis… vamos aprender como todos os níveis das nossas ações são configurações somáticas… que podem ou não conversar entre si… cabe a nós promover essa aproximação e interação entre elas…”(Regina)
O autor de neurociência, Gerald Edelman, tem um livro que se chama The Remembered Present (O Presente Relembrado). De alguma maneira nossa estrutura é esse presente continuamente relembrado. Mas quanto mais mergulhamos no processo formativo e o ativamos, relacionando as ações com postura, atitude, forma, imagem, vamos trazendo para o presente essas formas. Vamos ativando sua potência. Comportamentos que estavam empobrecidos, minguados, vão sendo ativados, se diversificando em novas variedades de comportamento. Isso é trabalhar pela biodiversidade subjetiva ou, em outras palavras, para o aumento da potência formativa nos corpos.
Acabamos de experimentar, nesse cuidado que tivemos com nossas formas do silencio, esse resgate e reativação de comportamentos. Acabamos de experimentar como, ao reativá-los ,de modo paciente, metódico e artesanal, reanimamos o pulso formativo no presente. Isso é clinica. Mas também é filosofia, biologia, ecologia.
Nos Seminários de Biodiversidade Subjetiva, repetimos continuamente as ações formativas… elas são parte da nossa prática, juntamente com a produção das cartografias… cartografia é a mente do acontecimento… estamos sempre formando corpos, ambientes, ligações e pensamento no processo formativo em curso… sintonizar com isso e operar sobre isso é o que fazemos aqui.
Regina Favre
Grupo BS3
Novembro 2013