Condições formativas dos corpos HOJE: uma cartografia
Indivíduos-corpos: relativos, interdependentes e interconectados, formando camadas de tecido social instáveis onde a capacidade de manteragregação de si e conexão com as redes funcionais, em cada corpo, desempenha o papel principal.
Forma do lucro: está mais no uso que na produção, os bens estão mais ligados à circulação do que à acumulação.
Ambiente-mercado: produz principalmente serviços, estilos de vida e modos de inserção.
Capitalismo atual: com seu funcionamento em rede nos ameaça com a exclusão e não mais, diretamente, com a captura dos corpos pelo trabalho a serviço das classes dominantes, característica do capitalismo industrial.
Poder mundial: aristocracia financista e multinacional por um lado e redes de colaboração e produção livre, sobretudo, a multidão, por outro.
Perigos: perda das conexões e falsa agregação de si.
HOJE em qualquer ponto do planeta
o problema está no horror à exclusão
Exclusão das redes físicas é a morte.
Exclusão das redes sociais é a miséria.
Exclusão das redes de sentido é a loucura.
Nesse ambiente-mercado totalmente midiatizado, onde vivemos hoje, o tempo todo estamos expostos
à informação que nos manipula e horroriza com as situações de exclusão:
doença, envelhecimento, isolamento, violência, miséria, desemprego, desamparo, favela, fila de hospital, etc etc etc etc etc.
No estado de apavoramento que atinge a todos, somos tomados pela vivência da desagregação somática desencadeada pela resposta reflexa do tronco cerebral.
Com o reflexo do susto, o processo somático imobiliza e suspende sua continuidade como um modo de barrar a excitação excessiva, fatal para o córtex cerebral.
Mas, ao mesmo tempo, essa mesma mídia que nos apavora, vem, aparentemente, nos socorrer…
oferecendo contornos existenciais vendáveis que prometem forma, contenção da excitação e inclusão.
São imagens de fácil assimilação que suscitam o reflexo da imitação.
Evidentemente, uma gambiarra formativa que dura um piscar de olhos…
Um conceito de corpo tendo em vista os problemas formativos HOJE.
O corpo é um processador ambiental
em contínua produção de si e de mundo
pela interação de suas camadas embriogênicas
O corpo é um processo
morfogênico
autopoiético contínuo.
do micro ao macro
do nascimento à morte
Tarefas urgentes de cada corpo HOJE:
situar-se na velocidade e na violência dos processos coletivos e cultivar uma potência que lhe permita manter:
- agregação de si em continua mutação,
- ligações de cooperação com os diferentes ambientes
- capacidade de assimilar neural e muscularmente estruturado, como experiência e comportamento.
Forma, funcionamento e comportamento são a mesma coisa, do micro ao macro.
O trabalho sobre os processos formativos e maturacionais de corpos e seus modos-forma de agregação e conexão requer cartografias e práticas precisas.
Sempre observando o modelo do vivo:
excitação, membrana e pulso
continuidade da embriogênese da concepção à morte
bomba pulsátil
corpo canal
peristalse
propulsão no espaço
expressão conectiva
Contemplando a anatomia dessas funções: clique abaixo
Imagem: Anatomia Emocional, ©Stanley Keleman, Google Books
Imagem: Anatomia Emocional, ©Stanley Keleman, Google Books
Imagem: Anatomia Emocional, ©Stanley Keleman, Google Books
Imagem: Anatomia Emocional, ©Stanley Keleman, Google Books
Cada corpo é
um lugar na biosfera
um AQUI
um lugar self atravessado por ocos
geneticamente imantado
Myself
Como se faz (my)self em torno de um oco?
O que considerar?
Agregação de partes
Qualidade de membrana
Permeabilidade entre as camadas
Expansão-contração
Auto-reconhecimento
Auto-agência de si
Modos de conexão
Identidade social
…conduzindo substâncias e informação de todo tipo,
bombeando, processando
e gerando ambientes,
internos e externos
sempre em conexão…
Homem sanfona: ícone kelemaniano da bomba pulsátil sustentada pela própria excitação, organizada em sua forma adulta. Veja a imagem neste link: Anatomia Emocional, ©Stanley Keleman, Google Books
Crescimento e maturação do soma:
um continuum formativo de modos de conexão aos ambientes
fusão
dependência
busca de reconhecimento
controle
cooperação
São necessários ambientes confiáveis e tempos formativos para o amadurecimento dos pulsos e superficies de conexão.
A conexão, em sua condição adulta, se dá pela cooperação dos corpos. Cooperar significa:
reconhecer-se apenas parte de processos maiores
agir como parte
formas imaturas se conectam aos campos corpantes
fundindo, dependendo, buscando reconhecimento, dominando…
hoje, em nossa vida visivelmente em rede,
mais do que nunca, urge a cooperação.
Um modo de estar no campo corpante: a clínica realinha o processo formativo.
Buscando a voz: abrindo a garganta sufocada pelas forças da normopatia que ainda a capturam.
Normopatia é o nome das forças do mainstream.
Todos, de um modo ou de outro, nos afetamos pela sedução desse mundo aparentemente estável.
Todos os corpos e formas, ao se desencadear, já emergem do oceano formativo diretamente num mundo capitalista
regido por poderes e valores que as capturam para dentro de redes de sentido moldando-as e modelando-as.
Isso é a homogênese.
Portanto é vital acessarmos:
o reflexo do susto
as formas-socorro do mercado que envelopam nossa angústia
a paralisação do processo maturacional das formas de conexão
como você funciona?
um AQUI biológico
percorrido por ocos
auto-referente
auto-agente
auto-regulado
que vai se constituindo
SUJEITO
co-corpando em campos corpantes através de modos de subjetivação que são os modos sociais de se constituir
SUJEITO
com o poder de interferir em suas próprias formas e manejá-las, dentro do presente coletivo.
A maturação conectiva e a diferença só podem ser produzidas sobre cada corpo, cada processo, cada conexão de modo paciente e artesanal observando as regras da formação biológica onde o corpo e seu cérebro, problematizando cada funcionamento, agem juntos sobre “o que é” e “como é”, e operam experimentações sobre as intensidades e amplitudes de cada forma liberando, assim, forças auto-poéticas que vão se condensando em novas formas a serem captadas, definidas em suas bordas, muscularizadas, praticadas, cuidadas e articuladas aos ambientes, internos e externos.
Uma política do vivo
A biologia tal como é compreendida hoje nos ajuda a contemplar que a organização morfogênica do vivo é molecular e em contínua auto-produção, que a multidão e o vivo operam da mesma maneira, isto é, formativamente, auto-poieticamente.
Esta é uma visão extremamente otimista
O processo de produção de corpos
pode ser enxergado através de um continuum de máquinas de produção de pulsos:
pulso cósmico,
pulso vivo,
pulso genético,
pulso embriológico
membrana e pulso, intensidades e vínculos, desencadeamento de fases formativas,
ambientes assimiláveis ou excessivos,
a produção de si, a produção da diferença,
as ondas formativas, os afetos e o neuromotor…
A seleção natural opera, sempre, do molecular ao comportamento macro,
em possibilidades combinatórias quase infinitas,
o que desabsolutiza funcionamentos e relativiza a fitness
isto é, a encaixabilidade de um fluxo com outro.
Uma gramática formativa necessita estar profundamente ancorada na biologia molecular,
nas regras biológicas da produção dos tecidos e das formas, da maturação dos corpos e suas ligações,
gerando práticas cooperativas do co-corpar e de produção-sustentação de campos corpantes.
Laboratório do Processo Formativo
Regina Favre
setembro 2010