“Entre 85 e 92, a questão de uma nova posição na clínica, no ensino e na vida coloca-se para mim. Após ler o recém-publicado nos Estados Unidos ”Emotional Anatomy” precisamente em 86, re-descubro seu autor Stanley Keleman e me aproximo de seu conceito de processo formativo. Essa leitura funcionou para mim como um satori. Com ele, pude, finalmente, acessar um conceito visual e encarnável do corpo como um processo que se estendia desde os inícios da biosfera deste planeta, produtor e produzido por processos físicos e sociais, canalizando e secretando a si mesmo como uma força protoplasmática, continuamente, através das forças biológicas presentes em cada vida em particular, gerando e sustentando ambientes físicos e sociais como resposta a uma necessidade inata conectiva e formativa. Todo o meu movimento em direção a Keleman, um verdadeiro pensador contemplativo ocidental de tradição pragmatista e darwinista, americano, gestado na cultura do corpo novaiorquina dos anos 50, alternativa também para as visões budistas que se difundiam, veio, certamente, da insatisfação com a visão caráctero-analítica, mas, principalmente, da minha dificuldade em encontrar uma operatividade corporal precisa nas concepções que visitei de metaestabilidade em Simondon, de corpo sem órgãos em Deleuze, bem como de autopoiese e inação em Francisco Varella, idéias que me iluminaram e contribuíram para meu afastamento das cartografias reichianas.
Foi muito feliz a minha escolha por Keleman. Em seguida, comecei a cuidar da tradução de seus livros, a me corresponder com ele e, finalmente, em 1992, a freqüentar seus workshops em Berkeley, Califórnia. Esse contato seguido que durou 15 anos, foi um tempo suficiente para devorá-lo, digeri-lo e assimilá-lo… antropofagicamente, brasileiramente. Naquele exato momento, sonhei com a perda de uma criança na multidão e, logo a seguir, com a concepção de um corpo velho personificado por Kazuo Ono, que aparece deitado numa posição fetal dentro de uma banheira cheia de barro.
A ilusão infantil da individualidade estava indo embora dando lugar a um corpo recentemente concebido para formar maturidade, feito de multiplicidades e devires. Enfim podia me identificar com um modelo de clinicar, pesquisar e ensinar, bem como com uma filosofia do corpo que me permitia pensar e agir como parte de realidades maiores.”( em “Trabalhando pela Biodiversidade Subjetiva” Regina Favre, 2010, veja o texto integral)
Anatomia Emocional (link para o Google Books) é o livro de fundo no Seminário de Biodiversidade Subjetiva. Ele vem passando por sucessivas mutações, inclusões, ampliações, aprofundamentos e substituições de conceitos ao longo de muitos e muitos seminários de Regina Favre, sem nunca deixar de ser uma matriz através da qual é possível compreendermos e encarnarmos o processo contínuo de produção de corpos subjetivos dentro das diferentes ecologias, naturais e sociais, suportando discussões e discordâncias sem que se perca a visão precisa de construções de vida como um processo somático, contínuo e interconectado.
O uso das tecnologias de imagem no ambiente-seminário evidenciam a produção continua de corpos em interação que é a nossa vida, a simultaneidade de camadas do acontecimento, a nossa condição dentro do ambiente global e a estratégia capitalística de captura dos corpos através da imagem, sustentando uma micropolítica singularizante da imagem e da concomitante produção de corpos funcionais dentro do processo formativo de mundo.
O acontecimento-seminário inclui sempre um cameraman profissional que capta as imagens, colaboradores em ciência, um relator que anota conceitualizações, diálogos e exercícios vivos, um assistente que sustenta um blog fechado do grupo com transcrições editadas, anotações e fotos dos participantes, contribuindo para uma preparação em camadas, de cada encontro, com material de seminários anteriores.
Esse combinado de estratégias permite que se transite da teoria viva para as intervenções clinicas que corrigem rotas do processo formativo dos corpos dentro da cooperação grupal necessária para a sustentação de um ambiente formativo, da produção de linguagem viva para os exercícios que emergem do próprio acontecimento coletivo, para a prática da gramática formativa e do processo de produção do soma subjetivo.
Programa:
1º semestre: Um paradigma formativo onde o modelo do vivo se estende do molecular às formas existenciais dos corpos humanos, sempre dentro das mesmas regras de conectividade e agregação, aprofundando a visão e a vivência do corpo enquanto processador ambiental em continuo processo de produção de si e de ambientes, em conexão com outros corpos.
2º semestre: Uma anatomia capaz de prosseguir formando a partir do vivido ou como os afetos se materializam continuamente em estruturas somáticas ao longo de uma vida em particular segundo a interação das camadas embriogenéticas, numa embriogênese continuada do principio ao fim daquele soma em particular.
3º semestre: O crescimento dos corpos ao longo de seu destino genético, da concepção à velhice, se dá sempre apoiado em interações somáticas que possam vir a oferecer os ambientes confiáveis e os tempos formativos, necessários para que o organismo subjetivo possa se constituir desenvolvendo modos de conexão da fusão até a cooperação.
4º semestre: Os corpos se fazem sempre dentro da história social e seus jogos de poderes e de valores. Como reconhecer e agir formativamente sobre os modos segundo os quais o capitalismo contemporâneo modela vidas, desde suas formas mais precoces até a velhice, recuperando a potência e capacidade pessoal de produzir e sustentar diferença e conexão dentro do ambiente maior, hoje globalizado, com suas características particulares de produção da subjetividade.
A quem se destina: terapeutas corporais das diversas linhas, psicólogos, psicanalistas,terapeutas ocupacionais, artistas, médicos, atores, bailarinos, pessoas ligadas ao estudo e à prática do corpo
Os encontros acontecem a cada dois meses durante um fim de semana inteiro, sábado e domingo, das 10h às 18h.
Vagas: 25
Valor: 600 reais por encontro.
Duração: 4 semestres
Início: segundo semestre de 2012