Como é interessante enxergar as ações pequenas para entender o fluxo do sentimento, do vínculo, no processo em andamento. Como é forte a hora em que se vê uma mão que se fecha, quando acontece o oscilar de um pé para o outro, a hora em que a boca fecha e abre, que o pescoço cresce e diminui… como isso mostra uma força viva, um pulso, um forma de bombeamento de si no ambiente, com modos estruturados somaticamente de conter em si mesmo a excitação biológica dos encontros.
Estou pensando no exagero motor que existe atualmente em torno da questão do corpo. Os corpos quase viram do avesso para realizar uma performance. Ou, na verdade, para sentirem que existem no visível.
O que procuro mostrar aqui é tão Deleuze em seus conceitos de imagem-tempo e imagem-movimento.
A gente aprende, ao criar uma profundidade somática para a própria forma, a ver as sombras do desejo se movendo no cristal líquido dos corpos… isso é muito diferente das grandes cenas.
O que está sendo enfatizado atualmente como corpo é o corpo muscular. Esse tipo de movimento over produzido no espaço pelas camadas musculares serve a uma dependência da visualidade, gerando uma qualidade histérica da ação.
Quando a gente consegue se manter no pequeno, editar o pequeno, ampliar na tela as imagens de um olhar lentificado, a gente pode enxergar os esboços das expressões e reconhecer os pequenos controles motores subcorticais, indo e voltando nas sequências das formas que se desencadeiam… e imitá-las, mirando-se nelas, lentificando-se, decupando nossas ações ao vivo, desafiando o medo de perder a forma visualmente validada.
Daí, sim, a gente entende, capta, o movimento do desejo formando as conexões, as conexões internas de novas formas, de novos fotogramas de si, de novas direções e conexões externas, nas variações que vão se estabelecendo.
Nessa oscilação que Deleuze chama de “gagueira”, está se construindo algo outro, gerando-se variações de comportamento.
É o que importa. Só assim a gente produz diferença. E diferença não é um luxo, mas uma adaptação própria, mais fina, ao acontecimento.
Deleuze distingue isso nas ideias de imagem-tempo e imagem-movimento. A imagem-movimento se faz diretamente no espaço buscando o efeito dela. Às micro ações sobre si mesmo que geram aparições no espaço, bombeamentos ou pulsos de si, ele chama de imagem-tempo. Com esses conceitos, Deleuze está se referindo ao cinema: os filmes e seus poderes sobre nós.
A visibilidade de um corpo é resultante de ações no campo da gravidade de ações regulatórias sobre si. Essa aparição de um corpo pode ocorrer pelo uso de si apenas a nível de camadas musculares gerando desenhos de si a partir de modelos visuais.
Mas a aparição pode ocorrer (e isso é o poético, o poiético) como uma emergência do pulso profundo expandindo-se em ondas na superfície corporal como uma configuração efêmera.
O pulso profundo é a excitação biológica de um corpo face o acontecimento presente.
Regina Favre
Março, 2016