C – Eu queria tentar entender o que é o lugar do mais formado. Eu tenho a sensação às vezes de que você já sabia da questão do C, da minha questão, da S… não sei muito se pelos corpos ou como por onde a coisa vai se apresentando… quero entender como você vai conseguindo tecer esse direcionamento, a condução de uma ação formativa… a hora que você propõe de entrar nessa relação aqui…. ele escolheu A… não tinha como ter sido outra melhor escolha, a que chama a mãe… ai, você está ali e me chama para esse lugar da garota do grupo que vai trazer outro pedaço das forças em jogo… fico querendo entender como você vai construindo esse raciocínio clínico…
Regina – sei onde estou navegando… em várias cartografias ao mesmo tempo, navego em muitos programas, mas quem costura as passagens é a experiência clínica… que me permite fazer intervenção…
C– depois você vai conseguindo contar.. seu pensar isso… e a gente sai mesmo de uma visão individualista e consegue construir uma ideia da vida no social… se fazendo sempre… acho belíssima essa forma de intervenção clínica , e fico querendo entender melhor … sei que não tem como… é uma experiência clinica gigantesca…
Regina– são várias coisas associadas… tenho uma certa familiaridade com o corpo de cada um, não tirei da cartola nada, conheço cada um de várias maneiras, de vários lugares, tenho um vinculo com cada um , curtindo o processo de cada um, me relacionando com cada um…. interessadíssima em cada um… me interesso genuinamente por cada um, isso é um fato absoluto, líquido e certo. Tem uma parte, sim, que é o vínculo, que vai do mais formado para o menos formado. Eu assumo a minha idade, a minha experiência, a minha trajetória e me incluo nesse lugar nas vidas das pessoas que estudam ou se tratam comigo, tenho uma coisa com cada um singular de verdade, com cada um do seu jeito, na sua medida, com suas camadas formadas pela vida. Quando estou com um grupo de ensino, tenho um grande investimento em compartilhar e ensinar as minhas cartografias, biológicas, históricas, sociais, políticas, do desenvolvimento, do vínculo, da anatomia emocional e as referências que vou entregando, dos meus autores, dos meus filmes, livros, histórias, do meu uso da internet, entrego as minhas referências…. e a Lili, ali, transcrevendo ao vivo…compartilhando no facebook secreto, simultaneamente…
Regina– e para exercer essa minha ação do mais formado para o menos formado, entrar na situação de ajuda para que aquele corpo subjetivo amadureça um pouco mais, se organize um pouco mais para estar no presente e conseguir canalizar aquele seu presente para dentro do coletivo, melhor e mais finamente, quem é convocada é a clínica. Parece que eu faço verdadeiras cirurgias.
Aí é que começa uma ação muito precisa. Sei o que está acontecendo anatomicamente, biologicamente, do ponto de vista do desenvolvimento do processo morfogênico, naquela embriogênese continuada daquele corpo em particular. E enxergo o que está acontecendo. Isso é a experiência e é uma experiência viva. Tem a dimensão estética de uma pesquisa, ver como os corpos fazem o que fazem. São as várias camadas ativadas, transitar entre elas, mudar de um registro pro outro… conectar-se com cada uma e convocar sua expressão… por isso não dá para fazer essa ação com muita gente, grupos muito grandes, apenas mobilizando genericamente…
M – é a percepção do outro e ,naquele ponto, ele mesmo vai se percebendo e se apropriando dessa linguagem…
Regina– Isso permite que ele se reconheça. Então, vou conversando com a autoagência do outro, com a capacidade de o outro fazer conexões neuromotoras, esperar que os afetos se desprendam da fáscia, se regulem através dos músculos, se orientem na formação de novas camadas de contenção e expressão de si… manejar na relação a excitação, o timing de cada processo… algumas coisas são rápidas, algumas se dão através da imagem, outras através da sustentação que gera mais firmeza. Várias intervenções que se fazem no processo formativo dos tecidos e que vão se organizando junto com o desejo, com a força da vida para prosseguir, dentro daquela história formativa. Disponibilizo e tenho o maior investimento em que as pessoas captem, aprendam, façam e passem a reconhecer e a experimentar na própria vida, nas relações e ações. Fico contente de poder fazer isso com clareza.
A – durante o tempo do nosso processo de grupo, foi importante para confiar no trabalho de si o fato de você fazer esse trabalho com você também, com muita clareza no espaço do grupo… isso dá uma confiança…
Regina– o trabalho formativo não é confessional, a gente compartilha o processo formativo de si e tem que se fragilizar para prosseguir na construção de um campo. Me recuso ,na medida do possível, a me mostrar idealizada…. uma forma acabada…. ser a dona de uma marca…. me recuso a vender uma verdade… o mercado solicita isso, que a gente vire marca, para poder reproduzir e lucrar, fazer vencer um produto, ser imitado e nunca igualado… isso que fazemos aqui é agir na contramão do mercado… confiar que a gente não precisa impor nada para as redes de conexões crescerem… é possível isso…
C– para mim, o pulo do gato é quando a gente consegue perceber você fazendo, mostrando e afirmando com a sua ação que você precisa se regular para não engolir o grupo, por exemplo…. várias vezes a gente viu você fazendo isso .. isso tira você desse lugar idealizado…e a gente pensa: ela luta com isso na forma dela…
Laboratório do Processo Formativo 2016
Regina Favre