Ingrid – vou mostrar um vídeo que fizemos na Universidade, em Belém, inspirado no Laboratório… Os alunos quiseram criar uma síntese do que tinham vivido no fim de semana com a Flavia Liberman, professora da UNIFESP, visitante do nosso programa… repare na estilização das imagens… editamos com aplicativos do celular. Eu contei que nos seminários do Laboratório do Processo Formativo com a Regina Favre fazíamos vídeos. Pena que a imagem ficou ruim… a gente fez muita coisa e perdeu…
Regina – Não !! É justamente o contrário do fazer gravação limpa e professional… esse recurso é parte do acontecimento… muitos filmes que nos tocam são feitos dessa maneira… essa tecnologia digital dá o tom da intimidade e deixa transparecer o acontecimento da gravação e isso reverbera sobre quem vê.
O que é muito difícil nas gravações informais, é as pessoas permanecerem nelas mesmas e não serem capturadas por imagens dominantes… da celebridade, por exemplo…
Pesquisamos aqui no Laboratório como criar um ambiente de gravação, com a evidência de sua complexidade e inteligência coletiva, que capte as pessoas vivendo a experiência de fazer o que estão fazendo ali. Essa forma de gravação reverbera sobre o ato de fazer e isso transparece na imagem. Essa atitude é uma espécie de distração, um envolvimento profundo no ato de fazer e pensar…
Esse modo de produção de imagem e pensamento nos permite teorizar sobre o embodyment, sobre a imanência , sobre a continuidade e o processo formativo em curso… e receber de volta a própria imagem no processo de continuar produzindo corpo…. porque nós gravamos em cima do ato de fazer, com a transparência e os rebatimentos próprios do ato de fazer, pensar, gravar, olhar, repassar, organizar-se somaticamente… com isso, aprendemos ao mesmo tempo a gramática e a prática formativa dos corpos… na simultaneidade. O material a ser editado, depois, resulta de uma riqueza surpreendente.
Ingrid – antes da nossa gravação, conversamos o quanto estamos na rotina do comportamento e da percepção… que a maioria não usufruía daquela praça onde gravamos… o espaço das árvores, o gostoso de estar junto. Foi a mesma sensação de quando saio daqui do seminário. Aí acabou acontecendo o vídeo.
Regina – com esses equipamentos, tipo IPhone, simples e intuitivos, a produção singular de imagens torna-se mais acessível ainda… mas, também, ficamos muito mais vulneráveis a que toda a situação vire uma coisa glamorosa, estereotipada, por conta da captura do desejo que é continuamente operada sobre nós pela indústria da imagem que nos invade e inunda todo o tempo …
QUEM, muitos quem(s).
Regina: Quem produz? Quem faz o ambiente, na gravação do próprio ato de ocupar o espaço e de se apropriar da própria ação? É como a mão do Escher que desenha a si mesma….
Esse modo de gravação nos permite captar e, ao mesmo tempo, operar a crítica da forma somática do QUEM…. QUEM é o agente, o sujeito dos verbos… os múltiplos verbos e sujeitos, múltiplos agentes formativos de si e de ambientes…
Praticamos aqui toda uma gramática do como colocar-se dentro dos ambientes, evidenciando que somos parte, como produzidos e produtores… esse é um trabalho formativo… no caso, com a produção da imagem…. o ambiente é o mar do acontecimento… são os mares de que os corpos são parte… circunscritos pela nossa escolha. O grupo de Belém, ao sair naquele lugar na rua, fez isso.
Aqui no Laboratório, usamos sempre a mesma sala e evidenciamos, ao mesmo tempo, que o acontecimento é sempre singular, nunca o mesmo. Praticamos uma lógica formativa. Com isso geramos o acontecimento e navegamos ao mesmo tempo nele.
Este texto compõe com o nosso artigo “Na instalação didática“