Regina – eu queria que a gente olhasse a medusa antes de conversar com o Johannes… vamos ver a medusa de pé, sentindo o que é profundidade e borda…
Johannes – Fáscia é um assunto importante, hoje em dia cada vez mais importante. É também chamado de órgão da forma. Descobriu-se que a fáscia tinha função dentro do corpo como um órgão estruturado e estruturante. Não se fala mais de músculos e ossos e sistema nervoso, sem falar da fáscia. A fáscia é órgão de comunicação. A fáscia é uma proteína construída de tetraedros. Essa forma é a base de quando a vida foi se formando… pirâmides, figuras piramidais. Base da vida está na fáscia.
Vamos pensar o tecido facial como envelopes. Como quando corta uma árvore a gente vê os anéis de crescimento, tem a pele, a fáscia superficial , é uma roupa mesmo, como tirar o couro do bicho. Se tirar a fáscia de cima é uma pele, depois vem fáscia superficial, fáscia profunda, membranas internas e sistema nervoso, tudo isso funciona ligando tudo. O tecido fascial conecta tudo com tudo, como o sistema nervoso.
O mesênquima forma um corpo. Ele vai se subdividindo, vai ligar uma célula na outra e dá unidade ao corpo. Mesênquima solta fio e vai armando. Liga e cria bolsões, dá espacialidade
Mesênquima é anterior ao colágeno.
Regina – aquela célula que vimos ontem (veja Afinando os corpos com o molecular) é a primeira unidade do vivo, mas elas puderam ir evoluindo e construindo a possibilidade de produzir cola entre elas, para que elas pudessem se colonizar dentro do processo de complexificação da vida.
Johannes – Colágeno é cola, glicoproteína que cola. Para a gente deixar mais evidente, a membrana celular não se mantem sozinha. O colágeno é o meio ambiente da célula. O tecido fascial é o meio ambiente da célula.
Regina – cada corpo em seu processo formativo, babando seu próprio ambiente e formando a si mesmo ali dentro. É essa a história. Se você parar nesse minuto vai se sentir babando um corpo para estar aqui, se adaptando em um certo ambiente onde deseja algumas coisas, imagina que vai chegar em algum lugar, tem sonhos, imagens. Se você parar neste momento, vai sentir que tem camada de geleia dando um brilho… uma geleiazinha excitada querendo armar um jeito.
Johannes – os corpos se afetam entre si, os mundos começam a se contaminar, começam a produzir colágeno e forma… e ativa a produção de mais corpo na interface do dentro e do fora do fora (veja Presença).
Captando a baba:
Regina– fiquem rápido em pé e encostem mão com mão… essa conexão com outro corpo começa a gerar excitação e mobilizar a geleinha que brilha… é um esboço de forma, um esboço adaptativo… façam pressão para sentir o aumento da superfície em camadas que o Johannes descreveu… um pouco mais de pressão, um pouco menos de pressão… isso estimula a produção desse colágeno que começa a esboçar um ambiente adaptativo à nova situação que é esse encontro… Menos é mais… Quanto menos faz, mais percebe…
O encontro dos corpos começa a desenhar uma superfície… esse redesenho é baba… o desenho é sempre sobre o molde da bomba pulsátil.
Regina: vamos falar sobre o que se captou no exercício.
Grupo: … movimento da excitação… da energia, da eletricidade….. movimento da medusa…. senti ela pulsar… o corpo todo movimentava junto com as mãos… sensação de coesão entre células e partes do corpo… aderência, junção, lubrificação… coesão agradável, molhada… o contato mesmo…produziu uma vida tremenda que antes não estava presente, não estava visível…senti muito fino o entre… sem palavras… demais…uma tensão que não tem atrito…uma coisa fina… ritmo, a importância do ritmo…senti o colágeno muito forte, a cola… foi difícil descolar… aconteceu a geleia, a baba, senti como amortecedor de tênis, gelatinoso e tinha amortecimento…o contato com o outro organiza mais meu corpo, dá contorno… fica um pulso que demora a sair…
Regina – o desenho do encontro fica em você. Pode deixar dissipar ou pode formar alguma coisa com isso… os corpos prosseguem preservando as boas respostas.
A evolução é assim. Os fenótipos prosseguem, as funções prosseguem, preservando que o que funcionou … Aquilo que funcionou bem é preservado pela seleção natural. Estamos falando que através da geleia a gente preserva as boas respostas que a gente só descobre no encontro, com outros corpos e situações.
Imaginando com a fascia:
Johannes: imagina o que está fazendo com os braços…
Grupo: na feira… levantando criança, sacola de supermercado… fiz com braço direito e sou canhota quase não uso esse braço… esse braço…para o leve, para o pesado, para o longe, para o perto… para o cello, para o arco…cozinhando… o que nas pernas… o que nos meus braços… sou canhota fiz com esquerdo e não veio nada… ficou só a memória… como se mesmo não fazendo existe a memória do movimento… meu braço direito é tão forte, confiável… meu braço esquerdo ah, ah, ah, sonha…lembrei de coisa de força…
Johannes: repete as cenas e vai calibrando tensão no que imagina que esteja fazendo…
Grupo: que braço corajoso…que braço fraco não segura nada… que braço melodioso…
Regina: contração traz imagens, relação, conexão com alguma coisa..
Johannes: não é só muscular, é miofascial… mio de músculo…
Regina: a ação ( imaginária ou real) puxa a fáscia… vivemos dentro de um filó elástico…faz os dedos e sente os pés… faz uma mão e sente a outra… faz a mão e sente a boca…
Inês: quando vai para um movimento, está fazendo algo em outro lugar…
Regina: essa é a malha que nos envolve… puxando um lugar… puxei… puxei tudo….puxe sua blusa num ponto … agora sinta o que acontece com o restante da malha… a fáscia é uma malhazinha finíssima, feita dos tais tetraedros tecidos entre si… se olhar a trama no microscópio vai ver que é uma repetição de pontos… um tricozinho finíssimo de baba.
Inês – muito confortador
Regina: estamos tecendo o tempo todo…aqui é a maior fábrica de tricô.
Nathalia: na hora que chega num ambiente novo ainda não babou… e depois de um tempo vai babando… primeiro silencio e depois silencio mais aquoso…
Regina: vai tecendo formas para se articular…de ontem pra hoje, você criou minimamente formas para o ambiente. Isso pode ser consumido rapidamente ou pode se aprofundar, estabilizar. Aí você vai sonhar, vai experimentar, vai estabilizar as novas camadas na sua forma…
Tentando preservar as respostas:
Regina: Como se captam as respostas que se estão gerando?
Que formas conectivas estou gerando para estar aqui?
Tem um roupinha de colágeno segurando algo que periga vingar ou não.
Veja se consegue captar essa roupinha de baba…
Nathalia: tem a minha baba e tem a baba do outro…
Fernando: tem inter-babas…
Regina: uma mistura de babas… como a gente encontra na baba da gente, os fragmentos do outro… não é o outro.., mas fragmentos…
Caio: como uma teia de aranha, que a gente tem tecido junto…
Erika: para mim fica uma coisa de memória, como se essa experiência tivesse tocado a baba, de jeito muito sutil, marca muito …
Regina: você vê que a memória é uma estampa…inprint… um modo e um como… que, se estabilizados, geram tecido.
A fascia: o video
Johannes: esse filme foi feito por um dermatologista. Quando vai filmando, ele se dá conta do tecido fáscia, ele registra que o tecido se forma on-line e se forma a medida que a ação vai acontecendo. A anatomia que a gente aprendeu é parada, seca… é de cadáver… quando ele fez esse filme durante uma cirurgia, começou a ver que tinha mobilidade, motilidade, metamorfose… é mesmo uma baba, literal, não é metáfora…
Podemos, por essa condição da fáscia, pensar que todos os tecidos que estruturam um corpo sejam diferentes consistências e composições com a baba primordial.
Os ossos por exemplo seriam fáscia endurecida com cristais de cálcio e fosforo.
Regina Favre
Johannes Freiberg
Novembro 2013