Ou como os alunos estão começando a aplicar o processo formativo.
Regina Favre e Grupo BS2
Aluna: eu não sei o quanto eu aplico de fato tudo que a gente tem vivenciado aqui, mas tem muitas questões que me permeiam… sinto uma construção acontecendo… dou aulas no campo da dança clássica e do dançar clássico onde tem um jeito de fazer, um certo corpo, uma certa postura, passos ou algo a ser feito de um modo preciso… a minha questão é de ir amaciando isso, sair do duro, do endurecido, do já conhecido, para me tornar mais permeável… Experimentar um outro corpo e tentar me questionar… ver como o corpo pulsa dentro da estrutura do balé clássico e como eu possibilito uma outra experiência que não um estereótipo de corpo, de uma coisa já pronta, de uma forma que vem de fora. Como construir isso para mim e para o outro? E no meu dançar também… eu não trabalho com a codificação no meu dançar… é muito fácil apegar-se em técnicas a priori… aí, no fim, fica tudo meio sem sentido, meio sem sentir mesmo… meio esvaziado também… não sei o quanto eu já saí disso.. estou vivendo tudo isso, mas são questões que não sei como fazer, como aplicar…
Regina – Como você pode fazer para começar a sentir o suco da bailarina clássica em você? O que chamamos de suco tem a ver com a liquidez formativa no fundo dos corpos, lembra? Você pode, neste momento, sintonizar com o corpo da bailarina clássica de que você está falando.. Fica um pouco em pé e mostra para mim e para o grupo o corpo da bailarina clássica. Como você monta o corpo da bailarina clássica?
(Aluna fazendo)
Há uma descrição muito precisa: estica, encolhe, amolece… todas as instruções para montar o corpo da bailarina clássica… você vai montar esse corpo enquanto fala as instruções… fazendo e falando… ações e verbos…
Aluna – verticalizar, organizar a coluna, direcionar os ísquios para baixo, topo da cabeça para cima, bascular o quadril, fechar o abdômen, ampliar o espaço entre os ombros, levar o olhar em direção ao horizonte… os pés bem apoiados no chão, a borda externa bem apoiada no chão, manter o arco do pé vivo, musculatura das pernas e do quadril, rotação externa das pernas em ‘en dehors’, manter força de projeção para cima… empurrar o chão e crescer, dedos, braços leves, redondos…
R – Agora, de dentro da posição da bailarina, você vai sintonizar com o suco da bailarina.
(Aluna faz)
R – Isso.. veja quanta expressão começa a surgir nesse corpo..
A – o suco é bem líquido mesmo…
R – de dentro mesmo desse suco, dessa liquidez, sintonize com um pulso, o pulso líquido… que conversa com o firme e longo que é o corpo da bailarina. Você acabou de montar esse firme e longo. Como o líquido conversa com o firme e longo da estrutura da bailarina?
A – a conversa são tremores acontecendo no presente…
R – então você vai experimentar esses tremores, esses calores…
A – tem um sorriso também…
R – do que é esse sorriso? De prazer?
A – tem prazer, mas tem vergonha também…
R – como você pode mostrar para mim a bailarina envergonhada? Como se fosse fazer a coreografia da bailarina envergonhada.
A – ahahahahahahaha (fecha o ombro e ri)
R – exatamente… continue fazendo…
A – a bailarina envergonhada se assusta…
R – os bailarinos da Pina Bausch todos fizeram dança clássica durante 30 anos, todos têm técnica clássica… só depois foram para o teatro dança.
(A põe as mãos no rosto)
R – isso, a bailarina clássica envergonhada… sempre o suco dentro… o suco que vai gerar expressões no corpo clássico.
A faz … ri
R – isso… intensifica a boca envergonhada, o sorriso… ela às vezes sorri de prazer, às vezes sorri amarelo… intensifica essa boca… vai repetindo a boca da bailarina envergonhada…
A faz
R – mais boca, mais boca, mais cara…
A – não dá pra ficar, tá tremendo…
R – como treme? O tremor está atraindo você para cima, como pode começar a descer e experimentar as ondas de tremor para baixo… a descida do tônus tremendo.
A – ahahahahahaha (suspiro)
R – isso… mais vezes esse ahhhhh, mais vezes…
Isso. Isso… intensifica essa expressão do rosto.. é uma expressão sombria.
Vamos dar vida para esses movimentos de ombro, do tronco, ra lá e pra cá… se esgueirando.. vê essa é uma ação de se esgueirar… isso… vê a cena? … por entre os seus fantasmas… de fracasso, de feiúra, de estrago… olha lá… está acontecendo… isso, se esgueirando… isso… apertando as mãos com medo… olha lá… e passando por entre fantasmas… segurando a si mesma e passando por entre fantasmas… isso… passou…
A – (assopra e ri) tem muita emoção… e muita parede dura…
R – uma emoção muito grande que tudo isso passa para mim… se eu estivesse na plateia, eu choraria.
A – (suspira) … está difícil lidar com tanta emoção… tanta emoção…
A e Regina choram
R – então.. essa é a professora real de que falei… que pode se emocionar…
A – e a dança real…
R – mesmo as bailarinas clássicas podem ser reais.
(A chora e senta)
São Paulo, novembro de 2012